terça-feira, 17 de novembro de 2015

As polêmicas em torno da "Lei da Anistia"

No Brasil, a lei da anistia é a denominação popular dada à lei n° 6.683, promulgada pelo presidente João Batista Figueiredo em 28 de agosto de 1979, após uma ampla mobilização social, ainda durante o regime militar de 1964.

Em sua redação original dada pelo Projeto de Lei n° 14 de 1979-CN, dizia-se o seguinte:
Cquote1.svgArt. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares e outros diplomas legais.Cquote2.svg
Embora esta tenha sido esta a redação original, o trecho final onde se lê "e outros diplomas legais" foi vetado por orientação do então presidente João Batista Figueiredo em mensagem apresentada à sessão conjunta do congresso nacional em 22 de agosto de 1979.
O golpe militar de 1964, instaurado no Brasil após a deposição do presidente João Goulart, ampliou ainda mais os seus poderes depois de 1968, com a promulgação do Ato Institucional n° 5 (AI-5), que permitiu ao Poder Executivo decretar o recesso do Congresso Nacional - na prática, dissolver o parlamento. 
Na primeira metade dos anos 1970, surgiu o Movimento Feminino pela Anistia, liderado por Therezinha Zerbini. Em 1978 foi criado, no Rio de Janeiro, o Comitê Brasileiro pela Anistia, congregando várias entidades da sociedade civil, com sede na Associação Brasileira de Imprensa. 

A luta pela anistia aos presos e perseguidos políticos foi protagonizada por estudantes, jornalistas e políticos de oposição. No Brasil e no exterior foram formados comitês que reuniam filhos, mães, esposas e amigos de presos políticos para defender uma anistia ampla, geral e irrestrita a todos os brasileiros exilados no período da repressão política.
Em junho de 1979, o governo João Batista Figueiredo encaminhou ao Congresso Nacional o seu projeto, que atendia apenas parte dos interesses, porque excluía os condenados por atentados terroristas e assassinatos, segundo o seu art. 1º. Favorecia também os militares e os responsáveis pelas práticas de tortura.


A questão dos torturadores


Enquanto, por um lado, os juristas, a Advocacia Geral da União e, em abril de 2009, o próprio Supremo Tribunal Federal afirmam que a Lei de Anistia brasileira beneficia também os torturadores e demais agentes da ditadura (anistia "de dupla mão"), por outro lado, outros juristas e setores da sociedade discordam dessa interpretação.
Em parecer anexado ao processo aberto na Justiça de São Paulo, a pedido do Ministério Público (MP), contra dois ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) - os coronéis reformados do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, acusados de violações aos direitos humanos, tais como prisão ilegal, tortura, homicídio e desaparecimento forçado de pessoas durante o regime militar -, 
Advocacia-Geral da União (AGU) defende que crimes políticos ou conexos praticados na ditadura, incluindo a tortura, foram todos perdoados pela Lei da Anistia, de 1979. 

A anistia recíproca no Brasil ou a arte de reconstruir a História, por Daniel Aarão Reis Filho. In TELES, Janaína (org). 

Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou impunidade? 2ª ed. São Paulo: Humanitas/FFLCH-USP, 2001. 

No parecer, alegam que a Lei da Anistia é anterior à Constituição de 1988, e por isso os efeitos do artigo constitucional que veda a anistia a torturadores não valeriam para os crimes cometidos anteriormente à sua promulgação. "Assim, a vedação à concessão de anistia a crimes pela prática de tortura, prevista na Constituição Federal de 1988, não poderá jamais retroagir para alcançar a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, tendo em vista o princípio constitucional da irretroatividade da Lei Penal.
Por outro lado, várias entidades de defesa dos direitos dos seres humanos, familiares de perseguidos políticos e a OAB, apoiam a tese de que a Lei de Anistia não beneficiou os "agentes do Estado" que tenham praticado torturas e assassinatos na ditadura militar, afirmando que o texto da lei não diz isso, nem poderia dizer, já que o Brasil é signatário de diversos documentos da Organização das Nações Unidas, segundo os quais a tortura é um crime comum, e imprescritível.
O Conselho Federal da OAB ingressou, em agosto de 2008, no Supremo Tribunal Federal (STF), com uma ação (ADPF, n° 153) que solicita declarar que a Lei de Anistia não incluí crimes praticados por agentes da ditadura - tortura, desaparecimento, homicídios e outros.
Cquote1.svgImpetramos esta (ação) para que os torturadores não fiquem a salvo da históriaCquote2.svg
— Cezar Britto, presidente nacional da OAB
Em 29 de janeiro de 2010, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal parecer em que se manifesta contrário à revisão da Lei da Anistia. Para ele, a OAB participou ativamente do processo de elaboração da lei, que tinha o objetivo de viabilizar a transição entre o regime autoritário militar e o regime democrático atual. 

Segundo suas palavras, "Com perfeita consciência do contexto histórico e de suas implicações, com espírito conciliatório e agindo em defesa aberta da anistia ampla, geral e irrestrita, é que a Ordem saiu às ruas, mobilizou forças políticas e sociais e pressionou o Congresso Nacional a aprovar a lei da anistia". Em 29 de abril de 2010 o Supremo rejeitou o pedido da OAB, por maioria de 7 a 2.

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