terça-feira, 29 de setembro de 2015

Vocabulário Jurídico






Signo, Significado e Significante

O signo linguístico une um elemento concreto, material, perceptível, um som ou letras impressas, chamado significante, a um elemento inteligível (o conceito), ou imagem mental, chamado significado.

Portanto, o SIGNO é a soma de:

SIGNIFICANTE - som ou letras (material, concreto) e
SIGNIFICADO - conceito (idéia inteligível).

É comum a comparação entre um signo linguístico e uma moeda.  Assim como esta apresenta duas faces - a cara e a coroa -, também ele é formado por duas partes - o significado e o significante.


Teoria da Comunicação

Nas situações de comunicação, alguns elementos são sempre identificados. Isto é, sem eles, pode-se dizer que não há comunicação. É o que diz a teoria da comunicação.
Os elementos da comunicação são:



  • Emissor ou destinador: alguém que emite a mensagem. Pode ser uma pessoa, um grupo, uma empresa, uma instituição.
     
  • Receptor ou destinatário: a quem se destina a mensagem. Pode ser uma pessoa, um grupo ou mesmo um animal, como um cão, por exemplo.
     
  • Código: a maneira pela qual a mensagem se organiza. O código é formado por um conjunto de sinais, organizados de acordo com determinadas regras, em que cada um dos elementos tem significado em relação com os demais. Pode ser a língua, oral ou escrita, gestos, código Morse, sons etc. O código deve ser de conhecimento de ambos os envolvidos: emissor e destinatário.
     
  • Canal de comunicação: meio físico ou virtual, que assegura a circulação da mensagem, por exemplo, ondas sonoras, no caso da voz. O canal deve garantir o contato entre emissor e receptor.
     
  • Mensagem: é o objeto da comunicação, é constituída pelo conteúdo das informações transmitidas.  

  • Referente: o contexto, a situação aos quais a mensagem se refere. O contexto pode se constituir na situação, nas circunstâncias de espaço e tempo em que se encontra o destinador da mensagem. Pode também dizer respeito aos aspectos do mundo textual da mensagem.

  • A desconstrução do preconceito linguístico

    Mudança de atitude
    O autor indica algumas maneiras para acabar com o preconceito linguístico. Primeiramente é preciso mudar de atitude e valorizar o saber de cada indivíduo, discordando das pessoas que menosprezam as diversas maneiras de falar.
    O professor também precisa ser mais crítico com a norma culta que ensina, refletir sobre o que está ensinando, ao invés de apenas repetir, tirando da gramática tradicional o que realmente é útil, e deixando de lado as informações preconceituosas e intolerantes. Essa nova postura crítica exige do professor constante atualização, ele deve ser um verdadeiro pesquisador, incentivando seus alunos a quebrarem os mitos em torno da língua portuguesa.
    É preciso reconhecer que o preconceito linguístico continua muito forte, e nada vai mudar se a sociedade na qual estamos inseridos não tiver significativas mudanças. Mas podemos tomar algumas atitudes contra o preconceito linguístico. Em primeiro lugar é preciso que nos tornemos pessoas críticas e investigadoras de nosso próprio conhecimento linguístico, deixando de lado a atitude repetidora, e passando para uma atitude reprodutora, formando-nos e informando-nos.
    Em segundo, sermos mais críticos quanto a nossa prática diária de ensino. Ensinar sim o que nos é cobrado, mas sempre com uma atitude crítica, mostrando que esta é apenas uma parte do grande universo maravilhoso que é a linguagem.Terceira atitude é ensinar mostrando perante todas as cobranças que as ciências evoluem, assim como a ciência da linguagem também.
    O que é erro?
    Para acabar com o preconceito linguístico, é preciso reavaliar a “noção de erro”. Há uma grande confusão entre língua escrita e falada, e muito dos “erros de português” são apenas erros de grafia. A ortografia dita correta, é ditada pela política, economia e ideias de uma determinada época, sendo que ela muda através do tempo sem mudar a intenção da palavra. Todo falante nativo de uma língua é plenamente competente e capaz de distinguir as regras de funcionamento de sua língua materna. O falante nativo de sua língua não comete erros, pois não forma frases que não respeitem as regras de funcionamento da língua.
    Portanto, precisa-se abandonar a ideia de que quem escreve “tudo errado” é um ignorante da língua. O aprendizado da ortografia se faz pelo contato frequente com textos bem escritos, e não com regras mal elaboradas. Ao lermos um texto escrito por alguém, deve-se primeiro dar valor ao que ele está querendo dizer, para só depois nos deter em como ele está dizendo.
    1. Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua, dominando-a por completo.
    2. Aceitar a ideia de que não existe erro de português, apenas diferenças ou alternativas.
    3. Não confundir erro de português com erro de ortografia, que é artificial e pode mudar, ao contrário da língua, que é natural.
    4. Reconhecer que tudo que a gramática tradicional chama de erro é na verdade um fenômeno perfeitamente explicado, se a maioria dos falantes usa uma norma que difere da tradicional, é porque já existe uma regra sobrepondo-se à antiga.
    5. Aceitar que toda língua muda e varia, o que é visto hoje como “certo”, já foi “erro” no passado, e assim sucessivamente.
    6. Conscientizar-se de que a língua portuguesa não vai nem bem , nem mal, ela apenas segue seu curso e sua evolução.
    7. Respeitar a variedade linguística de toda e qualquer pessoa.
    8. Entender que a língua permeia tudo, e nós somos a língua que falamos, é ela que molda nosso modo de ver o mundo, e nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos.
    9. A língua está em tudo, e tudo está na língua.
    10. Ensinar bem e para o bem, respeitando o conhecimento do aluno, valorizando o que ele já sabe do mundo e da vida, reconhecendo na língua que ele fala sua própria identidade como ser humano, sempre acrescentando e elevando sua autoestima.
    Então vale tudo?
    Com a eliminação da noção de erro, muitos entendem que então vale tudo. Não é bem assim, é que em termos de língua, tudo vale alguma coisa. O que devemos entender é que a maneira de falar vai depender de vários fatores. É preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre a adequabilidade e a aceitabilidade, tanto na modalidade oral como na escrita, tudo vai depender da situação de uso da língua em que nos encontramos. É totalmente inadequado, por exemplo, fazer uma palestra num congresso científico usando gíria, o público dificilmente aceitará isso; mas se o objetivo do palestrante for chocar os ouvintes, aquela linguagem será adequada.

    O Círculo Vicioso do preconceito linguístico

    O círculo vicioso do preconceito linguístico

    Os três elementos que são quatro

    O círculo vicioso do preconceito linguístico é formado pela gramática tradicional, pelos métodos tradicionais de ensino e pelos livros didáticos. A gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez faz surgir à indústria do livro didático que novamente recorre à gramática tradicional como fonte de inspiração e teorias sobre o ensino da língua, formando assim o círculo vicioso.


    A gramática tradicional, contínua muito usada nas mais variadas práticas de ensino que variam muito de região, de escola e até de professor, de acordo com as normas pedagógicas adotadas, mas que hoje já está menos rígida, e o Ministério da Educação têm feito esforços para provocar uma reflexão sobre os temas relativos à ética, para que se adote uma postura mais flexível no ensino da escrita e da língua padrão.

    O autor cita um quarto elemento oculto dentro deste círculo, o qual ele chama de comando para gramaticais (arsenal de livros, manuais de redação de empresas jornalísticas, programas de rádio e de televisão, colunas de jornal e de revista, CD-ROMS, “consultórios gramaticais” por telefone etc.) Estes comandos propagam velhas noções de que “brasileiro não sabe português” e que “português é muito difícil”.

    O círculo vicioso que se forma ao redor do falante da língua portuguesa faz com que ele mesmo pense que o português brasileiro é difícil, ou que ele não sabe falar sua própria língua corretamente. A mídia aproveita-se disso. Devia ser o contrário, aproveitar toda sua força para denunciar tantos preconceitos e não haver este mercado tão intenso que cresce em cima de tantos mitos.

    Sob o império de Napoleão

    Napoleão Mendes de Almeida
    Através do comando para gramaticais, considerado o quarto elemento do círculo vicioso, deve-se destacar o maior propagador do preconceito linguístico, foi durante muito tempo o professor Napoleão Mendes de Almeida, que em suas colunas de jornal, nunca escondeu sua intolerância, e que durante muito tempo foi tido como “defensor intransigente da língua”.

    O que não pode deixar de citar é que ele sempre defendeu essa mesma “língua”, como preconceito social e linguístico, usando muitas vezes da expressão “língua de cozinheiras”, ou chamando de infelizes aqueles que não faziam uso da norma padrão, por serem do interior ou menos favorecidos.

    Um festival de asneiras

    Na mesma linha de conduta preconceituosa se encontra o livro “Não Erre Mais”, de Luiz Antônio Sacconi que, para Bagno, não tem critério de organização e tenta ensinar coisas inúteis como pronúncias corretas, ou conjugações de verbos nunca usados pelos falantes da língua brasileira. Ainda corrige “erros” que não possuem frequência, portanto não podem servir de regra e não justifica sua inclusão no livro, mas o pior são suas expressões preconceituosas, os que não falam o "idioma correto" são tratados por ignorantes, deixando todos os leitores entender que o único capaz de usufruir a norma culta é ele mesmo.

    Os jornalistas foram seu alvo preferido, aos quais ele chama de incompetentes e os considera um estorvo para os professores de português, chegando ao absurdo de dizer que de tanto inventarem a língua, vão acabar fazendo uma só para eles. Muitos outros segmentos não escapam do seu ataque preconceituoso, os italianos, as pessoas do interior, os caminhoneiros,… em todo o livro.

    Beethoven não é dançado!

    Bagno fez uma crítica à coluna do jornal chamada “Dicas de Português”, assinada por Dad Squarisi cujo título era “Português ou de Caipirês” ?, A que se referia à viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso a Portugal, quando acusou os brasileiros de serem todos caipiras. A autora se achou no direito de ofender, desprezar e ridicularizar os falantes das outras variedades linguísticas. O texto de Bagno aponta todos os preconceitos praticados pela autora da coluna contra o povo brasileiro, sem esquecer da questão gramatical.

    Dad afirma que o brasileiro, caipira, jeca-tatu, capiau, matuto, “sem nenhum compromisso com a gramática portuguesa, não faz concordância em frases como "vende-se carros”. Segundo Bagno a questão da partícula se em enunciados do tipo acima vem sendo investigada há muito tempo nos estudos gramaticais e linguísticos brasileiros. O que todos os estudiosos concluem é que, na língua falada no Brasil, no português brasileiro, ocorreu uma reanálise sintática nesse tipo de enunciado, isto é, o falante brasileiro não considera mais esses enunciados como orações passivas sintéticas. O que a gramática normativa insiste em classificar como sujeito a gramática intuitiva do brasileiro interpreta como objeto direto.

    Squarise em um dos seus muitos textos, mostra seu preconceito étnico e social perante os falantes da língua portuguesa. O que foge ao seu conhecimento são as mudanças que nossa língua já teve, as adaptações que os falantes já fizeram e continuam fazendo, o que é normal, pois a língua não é inerte, e está sempre em constante transformação.

    Variação Linguística no Brasil



    Para analisar como se constrói o preconceito linguístico, Bagno relaciona oito mitos que revelam o comportamento preconceituoso de certos segmentos letrados da sociedade frente às variantes no uso da língua, e as relações desse comportamento com a manutenção do poder das elites e opressão das classes sociais menos favorecidas, normalmente por meio da padronização imposta pela norma culta.

    Mito nº 1

    “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”

    Mito prejudicial à educação, por não reconhecer que o português falado no Brasil é bem diversificado, a escola tenta impor sua norma linguística como se ela fosse de fato comum a todos os brasileiros. As diferenças de status social em nosso país explicam a existência do verdadeiro abismo linguístico entre os falantes das variedades não padrão do português brasileiro e os falantes da suposta variedade culta, que é a língua ensinada na escola.


    A Língua Portuguesa deve ser vista como ela realmente é, uma língua de alto grau de diversidade causada pela grandeza de nosso Brasil, fazendo com que ela se modifique em cada região, o fato de a língua predominante ser a portuguesa, não quer dizer que ela tenha uma unidade, pois a IDADE, a FORMAÇÃO escolar-acadêmica, a SITUAÇÃO SÓCIOECONÔMICA e outros fatores resultarão na fala de um indivíduo que é consequência desse emaranhado de indicadores.



    Mito nº2

    “Brasileiro não sabe português/ Só em Portugal se fala bem português”

    Para o autor, a afirmação acima demonstra noção de inferioridade, sentimentos de dependência de um país mais antigo e “civilizado”.

    O brasileiro sabe português sim. O que acontece é que o português brasileiro é diferente do português falado em Portugal. A língua falada no Brasil, do ponto de vista linguístico, já tem regras de funcionamento que cada vez mais se diferenciam da gramática e da língua falada em Portugal. Na língua falada, as diferenças entre o português de Portugal e o português falado no Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem dificuldades de compreensão. O único nível que ainda é possível uma compreensão quase total entre brasileiros e portugueses é o da língua escrita formal, pois a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças.

    Conclui-se que nenhum dos dois é mais certo ou mais errado, mais bonito ou mais feio, são apenas diferentes um do outro e atendem às necessidades linguísticas das comunidades que os usam, necessidades linguísticas que também são diferentes.

    Mito nº 3

    “Português é muito difícil”

    Bagno disserta neste capítulo que essa afirmação preconceituosa é prima-irmã da ideia que ele derrubou, a de que o “brasileiro não sabe português”.

    Todo falante nativo de uma língua, sabe essa língua, pois saber a língua, no sentido científico significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela. A regência verbal é caso típico de como o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português. Por mais que o aluno escreva o verbo assistir de forma transitiva indireta, na hora de se expressar passará para a forma transitiva direta “ainda não assisti o filme do Zorro”. Este mito gera um preconceito, porque o português falado é diferente do português escrito de forma culta. O falado está relacionando ao nível social, À região e ao nível intelectual. E o escrito é baseado na gramática normativa.



    Mito nº 4

    “As pessoas sem instrução falam tudo errado”.

    Esse mito além de trazer um preconceito linguístico, vem acompanhado de um social, de que as pessoas de menor aquisição não sabem falar o português, não importa o quão letrado ele é, mas o fato de ser pobre vai fazer com que as pessoas olhem como se ele de nada soubesse. E tem mais, pode-se observar outro preconceito, o regional, e este, está sempre sendo alimentado pela mídia que desmoraliza certa região, como acontece com os interiores do Nordeste.

    Qualquer manifestação linguística que escape do triângulo escola-gramática-dicionário é considerado “errado”, levando em conta o preconceito linguístico.

    Bagno explicou o fenômeno da palatalização-som da pronúncia da região para região no Brasil e que muitas vezes é alvo de escárnios por pessoas que se julgam pertencer a um lugar superior. Para o autor, o que está em jogo não é a língua, mas a pessoa que fala essa língua e a região geográfica onde essa pessoa vive. Esse preconceito linguístico é embasado na crença de que existe uma única língua portuguesa digna.

    Um exemplo. Na visão preconceituosa dos fenômenos da língua, a transformação de I em R nos encontros consonantais como em Cráudia, chicrete, praca, broco, pranta é tremendamente estigmatizada e às vezes é considerada até como um sinal do “atraso mental” das pessoas que falam assim. Ora, estudando cientificamente a questão, é fácil descobrir que não estamos diante
    de um traço de “atraso mental” dos falantes “ignorantes” do português, mas simplesmente de um fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria língua portuguesa padrão.

    PORTUGUÊS PADRÃO ETIMOLOGIA ORIGEM

    branco > blank germânico
    brando > blandu latim
    cravo > clavu latim
    dobro > duplu latim
    escravo > sclavu latim
    fraco > flaccu latim
    frouxo > fluxu latim
    grude > gluten latim
    obrigar > obligare latim
    praga > plaga latim
    prata > plata provençal
    prega > plica latim


    Como é fácil notar, todas as palavras do português padrão listadas acima tinham, na sua origem, um I bem nítido que se transformou em R. E AGORA ? Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum “defeito” ou “atraso mental”, seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema
    na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é
    considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema Os Lusíadas. E isso, é “craro”, seria no mínimo absurdo.


    Para mostrar que a fala nordestina nada tem de “engraçada” ou “ridícula”, vamos fazer uma pequena comparação. Na pronúncia normal do Sudeste, a consoante que escrevemos T é pronunciada [tš]
    (como em tcheco) toda vez que é seguida de um [i]. Esse fenômeno fonético se chama palatalização. Por causa dele, nós, sudestinos, pronunciamos [tšitšia] a palavra escrita TITIA. E todo mundo acha
    isso perfeitamente normal, ninguém tem vontade de rir quando um carioca, mineiro ou capixaba fala assim.


    Quando, porém, um falante do Sudeste ouve um falante da zona rural nordestina pronunciar a palavra escrita OITO como [oytšu], ele acha isso “muito engraçado”, “ridículo” ou “errado”. Ora,
    do ponto de vista meramente lingüístico, o fenômeno é o mesmo — palatalização —, só que o elemento provocador dessa palatalização, o [y], está antes do [t] e não depois dele.


    Então, se o fenômeno é o mesmo, por que na boca de um ele é “normal” e na boca de outro ele é “engraçado”, [pg. 44] “feio” ou “errado”? Porque o que está em jogo aqui não é a língua, mas a
    pessoa que fala essa língua e a região geográfica onde essa pessoa vive. Se o Nordeste é “atrasado”, “pobre”, “subdesenvolvido” ou (na melhor das hipóteses) “pitoresco”, então, “naturalmente”, as pessoas que lá nasceram e a língua que elas falam também devem ser consideradas assim...



    Mito  5

    É sabido que no Maranhão ainda se usa com grande regularidade o pronome tu, seguido das formas verbais clássicas, com a terminação em -s característica da segunda pessoa: tu vais, tu queres, tu dizes, tu comias, tu cantavas etc. Na maior parte do Brasil, como sabemos, devido à reorganização do sistema pronominal de que já falei, o pronome tu foi substituído por você.

    Aliás, nas palavras da boneca Emília, “o tu já está velho coroco” e o que ele deve fazer, na opinião dela, “é ir arrumando a trouxa e pondo-se ao fresco”, e mudar-se de vez para o “bairro das palavras
    arcaicas”. De fato, o pronome tu está em vias de extinção na fala do brasileiro, e quando ainda é usado, como por exemplo em alguns falares característicos de certas camadas sociais do Rio de Janeiro, o verbo assume a forma da terceira pessoa: tu vai, tu fica, tu quer, tu deixa disso etc., que caracteriza também a fala informal de algumas outras regiões.

    Ora, somente por esse arcaísmo, por essa conservação de um único aspecto da linguagem clássica literária, que coincide com a língua falada em Portugal ainda hoje, é que se perpetua o mito de
    que o Maranhão é o lugar “onde melhor se fala o português” no Brasil.



    Mito  6

    “O certo é falar assim porque se escreve assim.”

    O autor explica o fenômeno da variação, onde nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico. A supervalorização da língua escrita, combinada com o desprezo da língua falada, é preconceito.

    Esse mito tem como maior colaborador o sistema de ensino, pois é através dele que o aluno é obrigado a ler como se escreve, não levando em consideração o ambiente do falante. É lógico que a ortografia segue regras, devendo ser cumpridas, mas a fala não deve imitar a escrita, pois como podemos perceber em nosso dia-a-dia, o ser humano aprende primeiro a falar e depois a escrever, sendo assim é uma hipocrisia afirmar que a língua deve ser como a escrita.

    Mito nº 7

    “É preciso saber gramática para falar e escrever bem"

    A afirmação acima vive na ponta da língua da grande maioria dos professores de português e está formulada em muitos compêndios gramaticais. “A Gramática é instrumento fundamental para o domínio padrão culto da língua”.

    Este mito aborda uma das mais delicadas questões do ensino da língua que é a existência das gramáticas, que teriam como finalidade primeira a descrição do funcionamento da língua, mas que fatalmente se tornaram, no decorrer do tempo, instrumentos ideológicos de poder e controle social. A norma culta existe independente da gramática. Porém a manifestação desse mito concretiza uma situação histórica: a confusão existente entre língua e gramática normativa. Isso denuncia, segundo Marcos Bagno, a presença de mecanismo ideológicos agindo através da imposição de normas gramaticais conservadoras no ensino da língua.

    Mito nº8

    “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”.

    Esse mito como o primeiro é apresentado porque ambos tocam em sérias questões sociais. O autor fez uma crítica irônica dizendo que se este mito fosse verdadeiro, os professores ocupariam o topo da pirâmide social, econômico e política do país.

    De acordo com ele é preciso garantir a todos brasileiros o reconhecimento da variação linguística, porque o mero domínio da norma culta não é uma formação mágica que vai resolver todos os problemas de uma pessoa carente, de um dia para outro.

    Bagno mencionou que falar da língua é falar de política e que se não for analisado desta forma, estaremos contribuindo para a manutenção do círculo vicioso do preconceito linguístico e do “irmão-gêmeo” dele o “círculo vicioso da injustiça social”.

    segunda-feira, 28 de setembro de 2015

    Empirismo Gnosiológico, Sensação e Reflexão

    O Empirismo, reconhece apenas como conhecimento válido o que advém da experiência, do testemunho dos sentidos. O Empirismo vê na experiência humana a única forma de obter conhecimento, não havendo nesse caso patrimônio cognoscível a priori, Para o Empirismo, é com a experiência que o espírito humano ganha consciência de conceitos, estando antes vazio por natureza.
    Como uma tábula rasa.

    Locke, por ser empirista, parte da experiência. Assim, ele sustenta que as ideias não são inatas, são adquiridas. Deste modo, uma criança não nasce sabendo, ao passo que o conhecimento desta precisa se dar de forma gradativa.

    Para o empirista, “Não há nada na razão sem que primeiro tenha estado nos sentidos”.

    As ideias não são inatas, pois elas são adquiridas através da experiência. Elas se manifestam de forma interna (Reflexão) e externa (Sensação). Internas são aquelas que se adquirem por reflexão e as externas, por sua vez, são aquelas que se adquirem através dos sentidos.

    No entanto, para John Locke, A EXPERIÊNCIA É DÚPLICE: externa e interna. A primeira realiza-se através da SENSAÇÃO, e nos proporciona a representação dos objetos (chamados) externos: cores, sons, odores, sabores, extensão, forma, movimento, etc. 

    A segunda realiza-se através da REFLEXÃO, que nos proporciona a representação das próprias operações exercidas pelo espírito sobre os objetos da sensação, como: conhecer, crer, lembrar, duvidar, querer, etc.

    Locke argumenta que realmente existe certa falha no conhecimento empírico, ou seja, eles não são 100% satisfatórios. Mas na prática o conhecimento adquirido através dos sentidos funciona, não fazendo diferença as pequenas falhas e ilusões ou percepções falsas geradas certas e raras vezes. Além disso existem boas razões para acreditar nos sentidos, já que eles se apoiam e se equilibram.

    Para Locke, e nesse ponto a sua gnosiologia empírica engloba a de Descartes e vai além, sendo assim mais completa, a experiência pode tanto se dar através do sensorial como do mental, ou seja, as próprias reflexões são também uma forma de experiência.Corpo e mente são uma coisa só, não são distintos como em Descartes.

    Racionalismo e Filosofia do Direito

    Segundo o Mestre Reale (Filosofia do Direito - 2002), Racionalistas, na tela do Direito, são os autores que sustentam que acima ou ao lado de um Direito empírico, baseado na experiência, existe um Direito Ideal, um Direito Racional, um Direito Natural, em razão de cujos ditames seria possível afirmar-se  a validade ou a obrigatoriedade das regras jurídicas positivas.

    Nesse sentido o Direito Natural é um direito inerente à razão, como conjunto de princípios inatos em todos os homens.
    O Direito Empírico, aquele que a humanidade vive em casos particulares e concretos e se exprime em leis ou em regras costumeiras, é por sua natureza mutável, variando de lugar para lugar, de época para época.
    Acima desse direito, para os racionalistas, existe um tipo ideal de valores jurídicos, como expressão daquilo que é constante, universal na razão humana, sendo correspondente à natureza do homem em sua universalidade.


    Descartes e o Ceticismo



    A corrente cética defende a impossibilidade do conhecimento de qualquer verdade, eles rejeitam qualquer tipo de dogma. Para os céticos o conhecimento é relativo, depende da realidade da pessoa que o possui e das condições do objeto. Logo não é possível a certeza de nada.



    Descartes acreditando na possibilidade de estabelecer um conhecimento certo e seguro, inicia por duvidar seriamente, como o cético faz, do que pensamos conhecer. A decisão de duvidar é provocada pela percepção de que, por um lado, nosso conhecimento é frágil e de que, por outro, essa fragilidade passa desapercebida ou é pouco considerada.

    A primeira etapa da dúvida ataca o conjunto de minhas opiniões sobre as coisas sensíveis. Eu acredito que conheço os objetos do mundo exterior, porque eles se manifestam à minha percepção sensível. Porém, para desestabilizar isso basta mostrar que os sentidos me enganam algumas vezes e que, portanto, podem estar me enganando sempre.

    Descartes acreditava na possibilidade de conhecer a realidade e apreender mentalmente suas características, então usa o processo da dúvida, enquanto método, pra descobrir  verdades absolutas, não se podendo denominá-lo de cético, ou seja, membro da corrente aposta que nega a possibilidade de conhecer qualquer parte integrante da realidade.

    Mais do que a verdade, Descartes queria uma certeza, e a conseguiu por meio do método; trilhou pelo caminho da dúvida não para ser cético, mas para ter a primeira certeza, mostrando que é possível ter certeza de algo.

    Racionalismo Gnosiológico

    O Racionalismo Gnosiológico fundamenta o conhecimento em categorias cognitivas "a priori" , eventualmente divinas, inatas, independentes dos dados da experiência.

    Antecedentes de Descartes / Influências

    Na sistemática desenvolvida por Parmênides (c.460 AEC – Eléia), por exemplo, já é possível notar um “racionalismo extremo”. E graças a essa convicção, ele afirmou que em decorrência da pressuposta racionalidade total do real (ou da realidade), dever-se-ia exigir a “negação” de tudo que não fosse completamente acessível ao pensamento racional.

    Grosso modo, seria como exigir que esse escrevinhador negasse a existência de uma equação matemática, apenas por lhe faltar capacidade intelectual para compreendê-la.

    Há pouco tive certa relutância em empregar o termo “abuso” como uma das definidoras do Racionalismo, porém, considerando o parágrafo acima vejo que não foi excessivo, pois o abuso da ideia racionalista foi real, embora errôneo.

    Aliás, outra proposição de Parmênides e adeptos confirma o exagero, já que eles propuseram a negativa do próprio movimento, sob a alegação de que ele seria apenas uma “ilusão dos Sentidos”. Para ele, só seria predicável (ou seja, o que pode ser dito, enunciado) o Ser imóvel, imutável, indivisível e único, pois, apenas assim seriam satisfeitas todas as condições da racionalidade (sic). Em termos vulgares, poder-se-ia dizer que ele fez “uma conta de chegar”.

    Porém, o “racionalismo extremo” de Parmênides e de outros não foi hegemônico. Primeiro ele sofreu a oposição de o “devir” de Heráclito de Éfeso (535-475 AEC Éfeso, Ásia Menor) e, depois, a atenuação proposta pelo mestre Platão (428-348 AEC, Atenas), que no sistema epistemológico ou gnosiológico abriu espaço para os fenômenos (aquilo que pode ser percebido, captado) e para as opiniões, considerando ambos como “Saberes Verdadeiros”.

    O Racionalismo Gnosiológico

    A partir do século XVII o exame da interioridade tem como meta o acesso à verdade e a fuga das ilusões, alternando-se os filósofos na atribuição da razão (os racionalistas) ou dos sentidos (os empiristas) como via privilegiada do conhecimento.


    O Racionalismo Gnosiológico é a tese que afirma ser a Razão o único órgão capaz de produzir (ou de chegar) ao Conhecimento Verdadeiro. Consequentemente, todo conhecimento verdadeiro só pode ser originado pela racionalização da questão. É o chamado “Racionalismo Epistemológico” ou “Racionalismo Gnosiológico”.

    domingo, 27 de setembro de 2015

    Axiologia

    Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito comum


    Ana Paula Pedro
    Professora do Departamento de Educação da Universidade de Aveiro, Portugal. ana.pedro@ua.pt



    RESUMO
    Este artigo tem por objetivo essencial contribuir para o esclarecimento teórico-filosófico do uso de conceitos como ética, moral, axiologia e valores, habitualmente empregues para nos referirmos a uma mesma realidade. Para tal, começaremos por analisar as respetivas etimologias que os caracterizam, examinaremos os diversos matizes dos seus sentidos diferenciados, bem como a sua relação de complementaridade, e terminaremos referindo o que entendemos por valores e qual a sua natureza e importância, principais características, bem como o universo a que se reportam. Ao longo do texto, aduziremos e concluiremos pelo uso preferencial do conceito de "ética" a "moral", para o qual estão reservados os termos "normas" e "regras", e o de "valor" a "norma", a par de uma perspetiva crítica daquela.
    Palavras-chave Ética, moral, axiologia, valores.

    ABSTRACT
    This article essentially aims to contribute to the philosophical-theoretical clarification of the use of concepts such as ethics, morals, axiology and values, usually used to refer to the same reality. To this end, we will begin by analyzing the respective etymologies that feature them, we will examine the various nuances of their senses, as well as their relationship of complementarity, and we will finish by referring to what we mean by values and what is their nature and importance, key features, as well as the universe to which they relate. Throughout the text, we will conclude by the preferential use of the concept from "ethics" to "morals", for which the terms "standards" and "rules" are reserved, and that from "value" to "standard", together with a critical perspective.
    Keywords Ethics, morals, axiology, values.



    Introdução
    Frequentemente, assistimos ao uso ambíguo de palavras que estabelecem uma associação terminológica por sinonímia de "moral e ético", "moralidade e ética", "valores e ética", "valores e norma", "axiologia e ética", e ainda, "filosofia moral e ética" que se empregam em vários contextos do quotidiano como se de sinónimos se tratassem, resultando daqui, não raras vezes, uma enorme confusão para quem necessita de as utilizar, dificultando, deste modo, a comunicação e a elaboração do pensamento.
    Para além disso, uma clarificação concetual a este nível, potencia o estabelecer de diferenciações quanto ao uso dos conceitos acima referidos nos diversos contextos a que se referem, sejam eles de natureza reflexiva, crítica ou normativo-legal com expressivas consequências ao nível da construção do saber teórico e do saber prático atuais (ex: códigos profissionais de ética).
    Deste modo, e partindo do pressuposto de que estes conceitos constituem a base essencial do nosso agir ético-comportamental quer enquanto pessoas, quer enquanto profissionais, quer enquanto investigadores, por exemplo, este artigo tem por objetivo fundamental contribuir para o seu dilucidamento concetual-etimológico.
    Assim, procederemos, primeiramente, à explanação de algumas das razões que explicam as confusões contingenciais que rodeiam estes conceitos, seguida de uma explicação esclarecedora da sua origem etimológica. Exploraremos, ainda, alguns dos sentidos de que se revestem na atualidade, de acordo com alguns dos pensadores que mais significativamente influenciaram o seu "pensar".
    Ao longo do texto, aduziremos e concluiremos pelo uso preferencial do conceito de "ética" a "moral", para o qual estão reservados os termos "normas" e "regras", e o de "valor" a "norma", a par de uma perspetiva crítica daquela.

    De que falamos quando falamos de ética e de moral?
    Frequentemente, confundimos moral e ética quando nos referimos indistintamente ora ao universo das normas e dos valores sociais tout court, ora quando aludimos ao facto de que a ética e a axiologia têm o mesmo significado, não estabelecendo quaisquer fronteiras e limites entre cada uma delas, dada a natureza da sua proximidade, por um lado, nem efetuando as respetivas interações de complementaridade que entre si se podem tecer, por outro.
    Uma das razões para tal acontecer reside no facto de existirem duas palavras para mencionar o domínio valorativo da ética e da moral através da sua origem grega e latina, de raíz etimológica distinta: assim, o termo ética deriva do grego ethos, que pode apresentar duas grafias – êthos – evocando o lugar onde se guardavam os animais, tendo evoluído para "o lugar onde brotam os actos, isto é, a interioridade dos homens" (Renaud, 1994, p. 10), tendo, mais tarde passado a significar, com Heidegger, a habitação do ser, e – éthos –que significa comportamento, costumes, hábito, caráter, modo de ser de uma pessoa, enquanto a palavra moral, que deriva do latim mos, (plural mores), se refere a costumes, normas e leis, tal como Weil (2012) e Tughendhat (1999) referem.
    Para além disso, os termos ética e moral aplicam-se quer a pessoas quer a sistemas ou teorias morais, o que agrava, ainda mais, o estado de confusão, pois, quando desejamos classificar a natureza da ação humana e de sistemas mais alargados em que os sujeitos se inserem, o cidadão comum oscila sempre indistintamente sobre a utilização de cada um desses termos.
    Há quem considere, no entanto, que não faz qualquer sentido estabelecer estas distinções, pois todas acabam por referir-se ao mesmo universo; contudo, não é bem essa a nossa opinião por considerarmos estar subjacente à identificação e delimitação destas diferenciações terminológicas um modo de agir e de pensar interrogativo e reflexivo distintos daquele que sucederia, caso não as reconhecêssemos como tal.
    Também Ricœur (2012) menciona esta diferenciação entre ética e moral, reservando o "terme d’éthique pour tout le questionnement qui précède l’introduction de l’idée de loi morale et de désigner par morale tout ce qui, dans l’ordre du bien et du mal, se rapporte à des lois, des normes, des impératifs".
    Por outras palavras, Ricœur, em "Soi-même comme un autre" (1990), atribui: "1) la primauté de l’éthique sur la morale ; 2) la nécessité pour la visée éthique de passer par le crible de la norme ; 3) la légitimité d’un recours de la norme à la visée… La morale ne constituerait qu’une effectuation limitée, quoique légitime et même indispensable, de la visée éthique, et l’éthique en ce sens envelopperait la morale" (Ricœur, 1990, pp. 200-201).
    Neste sentido, por exemplo, não terá significado idêntico referenciar moral e ética sob a mesma perspetiva para falarmos de uma única realidade valorativa, pois, enquanto a moral se refere a um conjunto de normas, valores (ex: bem, mal), princípios de comportamento e costumes específicos de uma determinada sociedade ou cultura (Schneewind, 1996; Weil, 2012), a ética tem por objeto de análise e de investigação a natureza dos princípios que subjazem a essas normas, questionando-se acerca do seu sentido, bem como da estrutura das distintas teorias morais e da argumentação utilizada para dever manter, ou não, no seu seio determinados traços culturais; enquanto a moral procura responder à pergunta: como havemos de viver?, a ética (meta normativa ou meta ética) defronta-se com a questão: porque havemos de viver segundo x ou y modo de viver?
    A ética é essencialmente especulativa, não se devendo dela exigir um receituário quanto a formas de viver com sucesso, dado que se preocupa, sobretudo, com a fundamentação da moral; a moral, é eminentemente prática, voltada para a ação concreta e real, para um certo saber fazer prático-moral e para a aplicação de normas morais consideradas válidas por todos os membros de um determinado grupo social. Por outro lado, a ética não é um conjunto de proibições nem a moral algo definível somente num contexto de ordem religiosa (Singer, 1994, p. 11; Dias, 2006; Gontijo, 2006).

    Ética e moral: uma necessária relação de complementaridade
    Contudo, apesar de estes conceitos serem distintos, existe uma estreita articulação entre si, na medida em que a ética tem como objeto de estudo a própria moral, não existindo desligada uma da outra, mas sendo independentes entre si, tal como podemos verificar no gráfico que se segue.
    Neste sentido, tanto a ética implica a moral, enquanto matéria-prima das suas reflexões e sem a qual não existiria, como a moral implica a ética para se repensar, desenhando-se, assim, entre elas uma importante relação de circularidade ascendente e de complementaridade.
    Muito embora cada uma delas mantenha as suas especificidades e particularidades que as caracterizam no seumodus operandi, a verdade é que esta relação complementar torna-se não só desejável como necessária, na medida em que permite à moral quer uma abertura à comunicação e ao diálogo ético-moral (que corresponde ao tracejado no gráfico), entendidas como antídoto ao dogmatismo moral; quer o desenvolvimento de uma capacidade de interrogação, reflexão e ponderação de cada sistema de moralidade existente quanto à natureza e pertinência das suas normas e regras morais secularmente instituídas, mas nem sempre repensadas à luz do sentido dos princípios que as fundamentam (exs: práticas de excisão feminina; infanticídio feminino); quer, ainda, o conhecimento racional subjacente a uma práxis moral informada.


    Esta valorização do conhecimento pensada como condição necessária ao modo de agir e de viver moral é, simultaneamente, um pressuposto desse mesmo agir e pensar, afastando, assim, a ideia de que a moral ou a ética pertencem exclusivamente ao domínio da intuição e da emoção e não do conhecimento e da razão. Contudo, um equilíbrio entre ambas é absolutamente fundamental.

    Valores, moral e ética: que relação?
    Estabelecida esta distinção, podemos agora colocar a pergunta: qual a relação existente entre valores, moral e ética? Será de sinonímia ou de antonímia?
    Bem, na verdade, consideramos que a situação se assemelha à anteriormente descrita, pois, se, por um lado, uma e outra fazem inevitavelmente uso dos valores, muito embora, sob perspetivas diferentes, uma, de natureza mais prática (moral), e outra, de pendor mais reflexivo e interrogativo (ética), por outro lado, valor, cuja origem etimológica deriva do latim valere, surge com uma conotação algo distinta dos restantes vocábulos acima assinalados, na medida em que remete para a ideia daquilo que vale (ou de merecimento), de robustez, força e poder de um objeto (bem) que se impõe primordialmente à consciência do sujeito.
    Contudo, um sentido de valor mais completo é, em nosso entender, aquele sugerido por Ricœur (2012), quando afirma que "dans le mot ‘valeur’, il y a d’abord un verbe: évaluer, lequel à son tour renvoie à préférer: ceci vaut mieux que cela; avant valeur, il y a valoir plus ou moins".
    Por sua vez, valor e norma também são geralmente confundidos como sendo conceitos sinónimos; todavia, enquanto a especificidade do valor se estrutura e organiza em volta de conceitos como "bom", "mau", a norma já parece referir-se ao domínio do "obrigatório", do "interdito" ou do que é socialmente "permitido".
    Assim, da relação tridimensional valores, moral e ética, podemos aduzir valores morais e valores éticos; todavia, nem a moral nem a ética reduzem, obviamente, a sua esfera de pensamento e de ação somente a este tipo de valores, dado que o mundo dos valores é imenso e infinito. Por isso, nunca é demais assinalar uma outra confusão que habitualmente ocorre ao identificar valores somente a valores morais, esquecendo a panóplia imensa do tipo de valores existentes (ex: políticos, éticos, morais, estéticos, ecológicos, vitais, espirituais, económicos, religiosos).
    Esta associação deve-se ao facto de, por razões culturais, ter existido ao longo dos séculos, uma proximidade histórica e cultural entre a esfera dos valores religiosos e a realidade social que, não obstante, se tem assumido, ultimamente, de cariz eminentemente laico e secular, mas ainda, de raíz judaico-cristã.

    Axiologia e valores possuem o mesmo significado?
    Apesar da estreita relação que mantêm entre si, pois uma (valores) é o objeto de estudo da outra (axiologia), aliás, à imagem da ética e da moral – como vimos – são, no entanto, distintas: enquanto a axiologia mais não significa do que o estudo ou tratado dos valores, ou seja, uma reflexão filosófica sobre os valores, sua natureza, características, estrutura, conhecimento e teorias, os valores, enquanto tal, constituem o seu objeto de estudo. Não há, pois, que confundir axiologia com valores.

    Valor: natureza e definição
    O que são valores? Os valores valem? Qual a importância e pertinência que os valores desempenham na vida de cada um de nós? E na sociedade, em geral? Falar de valores equivalerá a falar apenas de valores morais? De que servem e para que servem os valores, afinal?
    Será importante um estudo sistemático dos valores (Teoria dos Valores ou Axiologia) ou bastar-nos-á um sentimento intuitivo axiológico que todo o homem "normal" parece possuir devido ao processo evolutivo? Por que vias se obtém o conhecimento do valor: pela intuição, pela emoção ou pela razão? Será possível, ou mesmo desejável, vivermos à margem dos valores? De que forma é que os valores determinam, ou não, o sentido e a realização da vida humana?
    Muito embora a palavra "valor" tenha inicialmente surgido no contexto das ciências económicas (Adam Smith, 1723-1790), querendo com isso denotar algo que é valioso e que se pode usar ou trocar, foi a partir da segunda metade do séc. XIX e início do séc. XX, mais concretamente com Nietzsche (1844-1900), que a palavra valor, com a correspondente conotação axiológica, foi primeiramente introduzida na filosofia. Na verdade, em "A genealogia da moral" (1990), Nietzsche enceta uma crítica vigorosa aos valores cristãos da época, designando-os de falsos e preconizando a sua substituição por outros autenticamente humanos.
    Contudo, é possível assinalar que os valores, enquanto objeto de estudo e de reflexão filosófica e não como ramo da filosofia (Axiologia ou Teoria dos Valores), tal como hoje a conhecemos e cuja sistematização inicial se ficou dever a Lotze (1817-1881), remonta à antiguidade grega, sendo, pois, possível destacar, desde logo; Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), o qual se insurgiu contra o relativismo moral sustentado pelos sofistas, contrapondo-lhe a universalidade dos valores éticos; Platão (427 a.C.-347 a.C.), que tomou um caminho diferente do do seu mestre ao transpor a reflexão valorativa para o mundo metafísico das ideias (Teoria das Ideias), que mais não é do que uma Teoria dos Valores, culminando na Ideia de Bem; Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), quem primeiro apresentou uma verdadeira teoria sistemática dos valores (Teoria das Virtudes) e que, por sua vez, remete a questão da transcendência da Ideia de Bem para o plano imanente, da realidade empírica; e, mais tarde, Kant (1724-1804), entre outros, cuja ideia de valor é deslocada para o domínio da consciência pessoal e individual caracterizada por um forte formalismo moral em que os valores são, pois, vazios de conteúdo (agir no dever pelo dever), dependendo apenas de juízos de valor emitidos pela consciência e não pelo que o real apresenta.
    Em contraposição com o formalismo moral kantiano, os defensores da conceção material dos valores reconheceram a estes um conteúdo concreto, real. Deste último ponto de vista, os valores já não constituem um a priori, pois, tanto podem ser relativos (dependendo das valorações do sujeito) como absolutos (existentes em si mesmos enquanto entes), pelo que vão ser estas posições – subjetivismo e objetivismo – que vão marcar, doravante, grande parte da natureza das discussões axiológicas.

    Para uma definição de valor
    Contudo, antes mesmo de prosseguirmos, convém clarificar a sua noção de base ou, pelo menos, tentar fazê-lo:1 o que é o valor? Como defini-lo?
    Atentemos, num primeiro momento, quanto à origem etimológica da palavra Axiologia: do grego, o verbo άξιος/a[xioς – o qual pode traduzir-se por "valor", e o substantivo axía, que também significa Valor, e λόγος – logos – que indica estudo ou tratado, a partir do qual se formou a palavra axiologia, ou ciência do valor, tratado dos valores (Cabanas, 1998, p. 121; Duméry, 2012).
    Mas, esta abordagem constitui apenas uma aproximação inicial ao conceito; todavia, parece que ainda muito fica por dizer acerca do mesmo. Na verdade, se quisermos tomar para nós esse experienciar do valor, logo encontraremos um primeiro significado: o da vivência de um valor, em particular. Ou seja, a vivência do valor, independentemente do valor que for, é experienciado como um fenómeno que se apresenta à consciência como tal e como um acontecimento que nos é imediatamente dado.
    Esta forma fenomenológica2 de proceder para a determinação que buscamos do sentido da palavra valor revela-nos, igualmente, outra característica importante: para além do valor constituir, primeiramente, um fenómeno que aparece à nossa consciência, num outro momento, ele é experienciado como algo de "valioso", ao qual foi atribuída uma preferência maior no seu grau de importância face aos demais.
    Portanto, o ato de valoração – que é feito por um sujeito que não pode deixar de valorar,3 pois, valorar é existir – é, por um lado, subjetivo e relacional e, por outro lado, objetivo e material, porquanto esse valor advém de um objeto que possui um determinado conjunto de qualidades que não foram indiferentes ao sujeito que as apreciou.

    Confusões entre valor e bens
    Mas, se só existe valor na exata medida da preferência subjetiva do sujeito ditada pela natureza do objeto, então, pode muito bem acontecer que o sujeito opte erradamente (ex: alguns sujeitos poderão transformar a droga num valor para si).
    Quando tal acontece, porque acontece em termos valorativos? E o que determina a escolha do bem em si? "Por que é que umas (coisas) valem mais do que as outras… possuem um valor elevado? Como se estabelece o valor de uma coisa e por que é que se pode afirmar que ela vale tanto ou tanto"? (Foucault, 1998, p. 237).
    Com efeito, sucede, frequentemente, que quando pensamos em valores estamos a referir-nos mais a "entes valiosos", ou a uma ideia de "bem", do que, propriamente, a valores. Um exemplo do que acabamos de afirmar é aquele em que nos referirmos à virtude como sendo um valor, quando, na verdade, se trata de um bem, tendo em consideração a sua característica valiosa.
    Do mesmo modo, a verdade, a beleza e o bem também não são valores, mas sim entidades com a sua essência bem identificada: assim, a verdade é uma adequação do intelecto à realidade e a beleza é uma qualidade de algumas coisas que, ao serem contempladas, produzem em nós uma sensação agradável. Na verdade, estas coisas, em si, ainda não são valores, pois, por si só, não apresentam qualquer valor (mais valia); ainda são bens.
    Por outras palavras, o bem não é, em si mesmo, portador de valor, sem mais. O bem apenas possui determinadas qualidades objetivas e reais que podem satisfazer as necessidades do sujeito sendo, portanto, apetecível para este. Mas, nesta altura, o bem ainda não é um valor. O bem só se transformará em valor enquanto satisfizer a condição de apreciação subjetiva (ex: os alimentos constituem um bem portador de valor para uma pessoa que tenha fome, mas deixam de o ser para quem tenha comida em abundância).
    Em rigor, como diz Cabanas (1998, p. 120), "los valores no son bienes, sino una consecuencia de esos bienes referidos a la persona". Tal significa, portanto, que incorremos em erro ao estabelecer uma confusão comum de fazer equivaler "bem" (objeto) a valor, tomando o bem por menos bom e o valor por bem quando, na verdade, o objeto só passa a ter valor de uma forma derivada; i.é., a partir do momento em que o sujeito lho reconhece.
    De facto, esta circunstância não é assim tão incomum, pois vemos o mesmo acontecer ao nível do conhecimento, em geral, tomando-se, muitas vezes, ilusoriamente, o que é verdadeiro pelo falso. Ora, tal significa que a faculdade ligada à captação e conhecimento dos valores terá de ser, necessariamente, também a razão (intelectualismo) e não somente a emoção (emotivismo), assunto que retomaremos mais adiante.
    Em suma: há valor sempre que: 1. o sujeito se interessa pelo objeto e este não lhe é indiferente; 2. o objeto (bem) tem interesse (ou é útil) em si mesmo; 3. há uma apreciação parcial, ou um "parti pris" (Lavelle, 1951, p. 186), que o sujeito adota face ao objeto. Porém, é a combinação de cada um destes fatores que forma o valor e não um deles tomado isoladamente.
    As coisas são chamadas "valores" (valiosas) não porque participem vagamente de um universal valorativo abstrato, ou de um qualquer ideal de valor inventado ex nihilo pelo homem, mas porque respondem objetivamente aos interesses e problemas profundos do sujeito. Deste modo, é pela relação que o sujeito mantém com as coisas que adquire a natureza de valor (Silva, 2010; Pontarolo, 2005; Gonçalo, 2008; Cabanas, 1998).
    Os valores constituem, assim, uma resposta natural às necessidades sentidas pelo sujeito; daí, a sua importância e contributo para a transformação da realidade; daí, o papel crucial que a educação pode representar no entrelaçar dos seus objetivos com o ganho de consciência reflexiva e práxica acerca dos valores com vista à realização do sujeito, de acordo com as suas preferências.
    Consequentemente, os valores não são entidades autónomas existentes em si, como Platão pretendia, mas antes, qualidades de natureza preferencial passíveis de serem apreciadas por um sujeito.
    Ou seja, uma coisa é o bem, que existe por si mesmo, independentemente de toda e qualquer apreciação subjetiva; outra, o tipo de apreciação valorativa que lhe é atribuída.
    A definição de valor da qual partimos e que consideraremos como objeto de estudo no presente trabalho, é a seguinte: valor é a qualidade abstrata preferencial atribuída pelo sujeito suscitada pelas características inerentes de determinado objeto que satisfazem as necessidades e interesses daquele.
    Com esta definição consideramos a natureza ideal do valor, contudo, radicada na existência material do objeto, realidade da qual o sujeito parte e que não lhe é indiferente. Por isso mesmo, em nosso entender, esta definição acentua igualmente a natureza relacional do valor, simultaneamente, objetiva e subjetiva, que constitui a marca indelevelmente axiológica do sujeito por relação com os outros seres existentes (ontológica).

    Valor: suas caraterísticas
    Esta referência ao sujeito a que acabamos de aludir não pretende indicar somente o sujeito individual, mas, sobretudo, o sujeito em geral, por abstração, aquele que pertence ao género humano.
    Deste modo, os valores acham-se referenciados ao que de comum existe e carateriza o ser humano e não ao indivíduo, em particular, não sendo, portanto, algo de subjetivo ou de arbitrário. Ou seja, a problemática dos valores está presente no mais íntimo de todo e cada sujeito e constitui o fundamento da sua essência.
    Acabamos, assim, de evidenciar o caráter relacional do valor: os valores são, mas não são em si; são sempre valores para alguém, pois sem sujeito não haveria valores. Estes resultam da relação que se estabelece entre determinados objetos e o sujeito. Tal como refere Hessen (2001, p. 23), "valor é sempre valor para alguém. Valor… é a qualidade de uma coisa, que só pode pertencer-lhe em função de um sujeito dotado de uma certa consciência capaz de a registar".
    Daqui não se segue, contudo, que os valores sejam apenas subjetivos, pois a valoração advém de um objeto concreto e real, ou somente objetivos, uma vez que a sua apreciação é feita segundo o interesse do sujeito, facto que denota uma certa ambivalência na caracterização dos valores por apresentarem, ao mesmo tempo, uma dimensão objetiva e subjetiva.
    Mas, para além destas caraterísticas dos valores que acabamos de assinalar – referência a um sujeito oucaracter relacionalambivalência, por serem ora subjetivos ora objetivos, bem como o facto de seremsupraindividuais, não se referindo, por isso, apenas ao homem x ou y, mas a todos os homens – é possível assinalar, ainda, outras particularidades específicas dos valores, tal é a sua natureza complexa e pluridimensional, tais como o facto de serem:
    Ideaisno sentido em que os valores pertencem ao mundo do pensamento que os pensa, à imagem dos objetos do pensamento lógico e matemático; não no sentido em que são absolutos ou transcendentais, teleologicamente falando, mas no sentido em que nos remetem para uma crença ou uma dimensão que nos ultrapassa.
    Comentário crítico: Esta postura é criticável, pois os valores não podem ser delimitados e localizados de forma inequívoca como sucede com os entes matemáticos. O valor aponta para o que é relevante, digno de importância, para a ideia de excelência;
    Irrealidade, na medida em que os valores, embora realizáveis (ex: valores culturais), não são materiais, palpáveis, no sentido de se poderem tocar ou manusear; i.é., não têm existência objetiva. Não são, portanto, "entes em si", à maneira platónica, mas "entes de razão". É, nesse sentido, que ouvimos dizer a expressão: "os valores não são; os valores valem" (Lotze, 1951, apudMorente, 1987).
    Comentário crítico: Contudo, os valores exigem necessariamente uma relação com as coisas, os objetos, o mundo e a realidade para se poderem afirmar, realidade essa a partir da qual e para a qual tendem (Brentano, 1838-1917). É com Brentano4 que se dá o reconhecimento da existência de uma certa intencionalidade que se exprime como sendo uma intencionalidade de algo;
    Apreciáveis: os valores são apreciáveis, estimáveis admiráveis. Por isso, indignamo-nos quando os vemos destruídos, (ex: destruição de estátuas milenares de Buda no Afeganistão);
    Inexauríveis, no sentido em que o seu valor não se esgota em nenhuma das suas realizações. Assim, a bondade não se esgota nos atos considerados bons (Sanabria, 2005);
    Conclusão crítica: Por esta razão se compreenderá o que frequentemente acontece quando sentimos, por exemplo, uma enorme deceção com determinadas ações dada a diferença existente entre os nossos desejos e a realidade.
    Intemporais, pois os valores estão para além do devir temporal; caso contrário, não seriam valores;
    Obrigatoriedade (Requisito de), (requierdness), no sentido de imperativo categórico. Dado que os valores não são neutros, é completamente impossível sermos-lhes indiferentes. Daí, que sintamos obrigação moral (dever ser) de sobre eles nos pronunciarmos e tomarmos uma posição;
    Qualidade: o valor constitui uma qualidade preferencial traduzida pelo sujeito face às características do objeto, mas é uma qualidade sui generis (Frondizi, 1972), pois não tem qualquer existência real, como acontece com o objeto, muito embora radique nele para se expressar;
    Apetecibilidade: esta característica verifica-se, na medida em que os valores não são indiferentes ao sujeito, mas exercem sobre si uma força atrativa que reside, mais precisamente, na sua dimensão ideal e significativa;
    Comentário crítico: quer o carácter de preferência (qualidade) quer o da atração (apetecibilidade) podem variar enormemente, indo do "bom" ao "mau". I.é., podemos sempre escolher objetos cujo valor é duvidoso, na medida em que se diz que somente sobre eles recai o nosso interesse e preferência; contudo, tal como já referimos, nestas circunstâncias pode ocorrer o erro, pelo que, nesse caso, não se trataria de um valor, mas de um anti-valor;
    Polaridade (ou bipolaridade), de acordo com a qual, a cada valor positivo corresponde um valor negativo ou anti-valor (ex: à paz opõe-se a guerra; à ideia de bem opõe-se a ideia de mal).
    Comentário crítico: Contudo, como muito bem o fazem notar Brito e Meneses (2012), há um valor em que não se verifica a existência bipolar que acima se refere, na medida em que será paradoxal atribuir um anti-valor à existência pelo simples facto de que, não havendo nada, não havendo existência de algo ou de alguém, não há o que valorar e por que valorar.
    Por sua vez, também a realidade não tem um anti-valor correspondente, pois o nada é a total negação do ser. Já o anti-valor tem realidade, dado que não é a simples ausência de valor positivo, mas constitui uma privaçãode algo que deveria ter-se, ou ser, e não se tem, ou não é.
    Objetividade axiológica: os valores são objetivos como as figuras matemáticas, na medida em que mesmo que tenhamos uma ideia pouco clara da sua representação, conseguimos intuí-la como sendo algo objetivo (ex: quando dizemos que um ato foi justo ou injusto, dizemo-lo por referência ou por comparação com a ideia objetiva de Justiça que todos possuímos);
    Comentário crítico: os valores não são entes exclusivos nem da res cogitans nem da res extensa; ou seja, se, por um lado, não existem independentemente dos sujeitos nem se reduzem a uma vivência subjetiva dos mesmos, por outro lado, manifestam-se nos objetos, mas através do homem, para o homem e para o mundo;
    Hierarquia, segundo a qual se pretende significar que nem todos os valores valem do mesmo modo, ou da mesma maneira, variando a sua ordenação, ou lugar, na escala vertical (há valores que são mais elevados do que outros), segundo o grau de importância ou de preferência (critério) que o sujeito decidir atribuir-lhes. Pode afirmar-se, então, poderem existir tantas hierarquias de valores quantos os sujeitos, logrando existir desacordo frequente entre elas;
    Comentário crítico: contudo, deste facto não se deduz necessariamente um relativismo de valores, como frequentemente ouvimos referir, mas sim que há valores que, devido às suas características (Scheler, 1874-1928) se distanciam qualitativamente de outros.
    HeterogeneidadePor muito ordenados que os valores estejam e por muito classificados que sejam e se encontrem agrupados segundo "famílias" de valores, o certo é que existe uma diferenciação qualitativa entre eles (ex: a coragem e a saúde não têm certamente o mesmo valor).
    Caráter unitário ou sistema lógico com que os valores se apresentam, cuja estrutura interna possui uma consistência coerente no tipo de relações que estabelece entre os diferentes valores;
    Estas características mantêm uma relação estreita de interação entre si, muito embora algumas de entre elas se possam manifestar ou expressar parcialmente, de acordo com determinadas circunstâncias que assim o favoreçam.
    Ou seja: os valores não se circunscrevem unicamente a estas características atrás mencionadas e vão manifestando cada uma das suas dimensões consoante a qualidade das experiências vividas pelo sujeito que assim as for salientando, dando-se a conhecer parcialmente.
    Em última análise, é como se os valores fossem um poliedro, no qual a luz que incidisse numa das suas faces era a revelada naquele momento em particular; mas, tal não significa que as restantes facetas sejam inexistentes. Esta questão sugere-nos uma outra: a do problema aristotélico da potência e do ato.
    Contudo, subjacente a esta manifestação parcial subsiste a estrutura que as sustenta ou suporta, caracterizada pela dimensão que a sua amplitude até aqui analisada demonstra.

    Conclusão
    Neste texto, partimos de uma diferenciação inicial quanto ao entendimento dos termos ética e moral enquanto antónimos; tal facto leva-nos a considerar uma prevalência da ética relativamente à moral, contudo não consideramos poder perspetivar-se uma ética sem moral nem uma moral sem ética, dado que ambas são absolutamente necessárias e complementares entre si.
    O facto de não partilharmos de uma sinonímia concetual de base entre ética e moral não nos permite considerar a sua distinção como se de uma separação hermética de conceitos se tratasse, dado que tanto a ética necessita da moral como a moral da ética: aquela, de sentido normativo, porque constitui matéria-prima de reflexão crítica e de fundamentação da moral, e esta porque necessita do carácter profundamente interrogante e comunicativo daquela condição da sua evolução. Na verdade, o que tal significa, em nosso entender, é que possuem funções diferentes, mas interdependentes em que uma não pode existir sem a outra.
    Da mesma forma, também os valores se opõem às normas e às regras, num primeiro momento, muito embora delas possam vir a necessitar, num segundo momento, para se expressarem e manifestarem; contudo, aquelas não são redutoras e muito menos se deixam encerrar no domínio estr(e)ito destas, pois o seu universo é infindável e inesgotável, sempre sujeito a novas descobertas e aproximações da realidade reveladoras da complexidade humana.
    Inegável é, contudo, a importância que cada um destes conceitos se reveste quer para o dizer quer para o fazer ético humano nos diversos contextos em que o sujeito se insere.

    Referências
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