quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Uma Teoria da Justiça - John Rawls

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Por Vilian Bollman - Juiz Federal
e Mestre em Ciência Jurídica


A “Justiça como Eqüidade” é a Teoria da Justiça de John Rawls sobre a qual gira boa parte das discussões da filosofia política contemporânea, especialmente quanto ao tema da desigualdade ou distribuição de renda.

Para abordar este tema, vou tentar responder rapidamente a três questões.

1 - O que legitimaria ou fundamentaria os princípios de justiça que ele apontou ?

2 - Qual o pensamento de Rawls ?

3 - Quais as principais críticas que se pode fazer ao pensamento de Rawls ?

Comecemos pela origem ou tentativa de explicação de onde surgiriam os princípios de ação que dão os contornos à ideia de Justiça de Rawls.

Rawls constrói os princípios de Justiça a partir de uma situação imaginária chamada de “Posição Original”. Ela é um exercício criativo no qual Rawls imagina como as pessoas escolheriam as regras sobre a Sociedade se estas mesmas pessoas fossem almas desencarnadas, racionais, mas fora de qualquer corpo físico e não soubessem quais são as suas habilidades e capacidades e nem quais habilidades são desejáveis no mundo.

Esta situação hipotética seria mais ou menos como se as almas dos futuros recém-nascidos estivessem numa sala de espera e discutissem entre si quais seriam as regras aceitáveis para o mundo para o qual irão. Em outras palavras, as pessoas estariam sob um véu de ignorância e não saberiam quais são as suas predisposições naturais e morais. Ou seja: formariam um consenso e escolheriam princípios de justiça abstraindo dos recursos, vantagens e desvantagens concretas.

John Rawls - Filósofo Político 
Professor da Universidade de Harvard (1921 - 2002)

Para Rawls, eles chegariam a acordo sobre como fazer uma estrutura básica da Sociedade. Mesmo que cada um estivesse interessado em promover os seus próprios interesses, todos eles aceitariam a igualdade como norma para definir a sua associação.





Portanto, respondendo à primeira pergunta, Rawls legitima e fundamenta os princípios que exporá em sua obra sob duas premissas fundamentais: a primeira, explícita, a de que os seres são racionais e motivados por seus próprios interesses (independente de quais sejam e de se eles realmente sabem quais são ou serão estes interesses), a segunda, não tão explícita, a de que todos aceitam o postulado da igualdade, ainda que para não serem prejudicados.

Logo, o importante não é discutir se esta situação imaginária da  “posição original” é ou não possível, mas sim discutir se o mundo real pode construir princípios fundados na igualdade e no interesse próprio de cada um (que é o de ter mais bens sociais dos que os outros). E mais: saber se, aceita estas premissas, estes postulados levariam, ou não, aos princípios de Rawls.


Passemos então à segunda pergunta: quais os princípios de Justiça sugeridos por Rawls ?

Para Rawls, os princípios decorrem de uma visão mais geral na qual os valores sociais da liberdade e oportunidade, renda, riqueza e auto-estima devem ser distribuídos igualmente, salvo se alguma desigualdade for benéfica para todos. Ou seja, a injustiça seria uma desigualdade que não benéfica a todos .

A partir daí, Rawls formula a versão inicial de seus princípios de justiça:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras. (IGUALDADE DE LIBERDADES).




Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) ordenadas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos. (PRINCÍPIO DA DIFERENÇA).

O importante e crucial é que Rawls apresenta quatro possibilidades de se entender o Princípio da Diferença e, após discorrer sobre as diferenças entre a “eficiência” e a “equidade”, ele argumenta que cada indivíduo, preferindo ter mais bens do que menos, acharia sensato iniciar a distribuição dos bens de forma igual para todos, evitando, assim, ficar com menos;

mas, em seguida, como as desigualdades são inerentes às comunidades (seja em função das diferenças de capacidades, seja diante da necessidade de maximizar a eficiência das estruturas econômicas e sociais), prevendo que elas ocorrerão, as pessoas exerceriam uma espécie de antecipação do direito de veto às situações que implicariam seus prejuízos.

Primeira Regra de Prioridade (A Prioridade da Liberdade)

Os princípios de justiça devem ser classificados em ordem lexical e, portanto, as liberdades básicas só podem ser restringidas em nome da liberdade. Existem dois casos: (a) uma redução da liberdade deve fortalecer o sistema total das liberdades partilhadas por todos; (b) uma liberdade desigual deve ser aceitável para aqueles que têm liberdade menor.

Segunda Regra de Prioridade (A Prioridade da Justiça sobre a Eficiência e sobre o Bem-Estar)

O segundo princípio de justiça é lexicamente anterior ao princípio da eficiência e ao princípio da maximização da soma de vantagens; e a igualdade eqüitativa de oportunidades é anterior ao princípio da diferença.

Existem dois casos: (a) uma desigualdade de oportunidades deve aumentar as oportunidades daqueles que têm uma oportunidade menor; (b) uma taxa excessiva de poupança deve, avaliados todos os fatores, tudo é somado, mitigar as dificuldades dos que carregam esse fardo”.

Quais seriam as críticas possíveis para estes princípios ?


A primeira é que eles partem de pressupostos que não necessariamente são universais (igualdade e liberdade), pois há sociedades contemporâneas que talvez privilegiem outros valores sobre estes (o coletivo ? a religião ?).

Vencida esta crítica, a segunda é que a sua teoria não é para ação das pessoas no seu dia a dia, mas sim para que sejam criadas e avaliadas as instituições políticas e sociais.

Há um terceiro tipo de crítica que o próprio Rawls responde: são aqueles que opõem valores éticos mínimos como a dignidade da pessoa humana, que, segundo os críticos, deveriam ser observados. Porém, Rawls sustenta que, na posição original, as pessoas não teriam ainda senso moral quanto a qual seriam os seus objetivos. Além disso, ele evitou utilizar princípios que poderiam ser contestados, recusando outros valores. Porém, ele aponta que, embora os princípios de justiça não sejam fundamentados na dignidade da pessoa, eles servem para interpretá-la, já que estaria implícita na ordenação lexical daqueles.



Um quarto tipo de crítica tem como objeto a situação da posição original, seja porque é uma uma situação puramente hipotética utilizada por Rawls como equivalente ao Estado de Natureza, seja porque ela parte de alguns pressupostos de igualdade entre as pessoas e de um processo de escolha democrático e com chances iguais para todos.

Esta crítica é parcial, pois a posição original é um argumento instrumental desnecessário, já que a estrutura dos princípios de justiça elaborados por Rawls seriam uma decorrência necessária da racionalidade. Apesar disso, outras circunstâncias, situações e problemas específicos podem levar a outras teorias da justiça decorrentes da racionalidade; ou seja, não é evidente que dessa posição original de Rawls surgiriam os princípios por ele deduzidos.

A escolha dos princípios decorrentes da Posição original dependem de fatores políticos (como a sociedade funcionaria) e da ideologia do teórico (especialmente sobre a sua concepção acerca da psicologia humana). Assim, conforme os valores do autor, a posição original poderia gerar resultados diferentes, surgindo, por exemplo, o Estado Mínimo (Nozick), o Utilitarismo, o Seguro de saúde e social (Dworkin) ou a anarquia (Robert Paul Wolff).

Um quinto tipo de crítica é o fato de que uma teoria “ex ante” aplicável a sujeitos abstratos não representa uma teoria da justiça “ex post” que seria tomada por sujeitos concretos e reais, até porque as escolhas e julgamentos racionais não podem ser feitos por quem ignora a existência dos demais, como se fossem “zumbis egoístas”.

De qualquer sorte, historicamente falando, a obra de Rawls fez renascer o interesse da Filosofia Política sobre a questão da Justiça e suscitou diversos debates, tornando mais claros os argumentos em prol ou contra certas visões de sociedade.


















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