sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Pluralismo Jurídico

Ana Lúcia Sabadell - 6a Edição 2014 pp 115 a 122.

A sociologia jurídica interessa-se, como já sabemos, pela realidade jurídica. Assim sendo, não seria apropriado estender seu objeto de estudo a outras formas de regulamentação do comportamento social que vinculam as pessoas, apesar de não serem “oficiais”?

Ana Lúcia Sabadell
Uma tal ampliação do estudo sociológico implica no reconhecimento de que o Estado não possui hoje o monopólio de criação das normas jurídicas. Desta forma, quando examinamos a legitimação do
poder através do direito, não deveríamos nos limitar apenas ao direito estatal, isto é, não deveríamos considerar o Estado como a única fonte do direito em vigor.


O cerne da questão é saber se vigora um único ordenamento jurídico na sociedade ou se funcionam em paralelo muitos sistemas de direito, constatando-se a existência de um “direito múltiplo” (Christopoulos, 2000, p. 175). No segundo caso, podem existir ordenamentos jurídicos contraditórios (que levam a soluções diferentes para a mesma situação), mas também ordenamentos complementares,
aplicáveis a situações diferentes.


Problema

Quais são as outras formas de regulamentação do comportamento social que vinculam os indivíduos apesar de não serem estatais ?

Para estudar a questão devemos levar em consideração dois fatores: O primeiro fator é a definição do direito adotada por cada corrente teórica. Quanto mais ampla for a definição, mais fácil será identificar
uma pluralidade de ordenamentos jurídicos. Por exemplo, quem entende que “direito” é todo sistema de normas consideradas obrigatórias em um grupo social, está certamente adotando uma definição ampla do direito, que vai muito além das normas previstas nos códigos e nas constituições.

Por outro lado, quem aceita a perspectiva do positivismo jurídico diferencia as normas jurídicas de outras normas sociais, considerando como jurídicas somente aquelas criadas pelas autoridades estatais. Nesta medida, os positivistas rejeitam a juridicidade de normas de comportamento criadas espontaneamente no âmbito de um grupo social.

O segundo fator refere-se à situação de cada sociedade e período histórico, pois existiram em séculos passados experiências tanto de pluralismo como de centralismo jurídico. O exame de cada caso concreto indica se existe um ordenamento jurídico unitário ou uma pluralidade de sistemas jurídicos.





Exemplo: o pluralismo jurídico vigorou na Europa durante a Idade Média e Moderna (Hespanha, 1998, pp. 92-98). Em paralelo ao direito criado pelos aparelhos centrais dos Impérios e dos Reinos (direito real), vigoravam o sistema jurídico da Igreja, uma multiplicidade de direitos locais consuetudinários (fundamentados nos costumes e em antigas tradições jurídicas) e os direitos das várias corporações (Universidades, grupos de profissionais, “Irmandades”). O direito romano era reconhecido como fonte do direito; as opiniões dos grandes “doutores” (Jurisconsultos) eram consideradas como legalmente válidas. Além disso, os diferentes grupos étnicos (tais como os mouros, judeus e ciganos) também mantinham o seu próprio direito, independentemente do lugar
em que moravam.

A Revolução Francesa de 1789 e o surgimento do embrião do Estado Moderno

Uma carta de Agobardo, bispo da cidade francesa de Lyon, escrita no início do século IX, afirmava: “acontece muitas vezes que cinco pessoas caminham ou sentam-se juntas e nenhuma delas tem uma lei
comum com as demais” (citado por Wesel, 1997, p. 281).

Esta situação foi denunciada pelos filósofos racionalistas e iluministas que consideravam o direito medieval caótico e “monstruoso”. A expansão do sistema capitalista trouxe consigo a consolidação e a centralização do poder político, que conseguiu controlar o território de um Estado e impor, como fonte exclusiva de direito, a sua própria legislação. O direito do Estado, criado por um único legislador e aplicado por juristas profissionais a serviço do Estado, se sobrepôs à pluralidade de direitos e de jurisdições.

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