terça-feira, 29 de setembro de 2015

Variação Linguística no Brasil



Para analisar como se constrói o preconceito linguístico, Bagno relaciona oito mitos que revelam o comportamento preconceituoso de certos segmentos letrados da sociedade frente às variantes no uso da língua, e as relações desse comportamento com a manutenção do poder das elites e opressão das classes sociais menos favorecidas, normalmente por meio da padronização imposta pela norma culta.

Mito nº 1

“A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”

Mito prejudicial à educação, por não reconhecer que o português falado no Brasil é bem diversificado, a escola tenta impor sua norma linguística como se ela fosse de fato comum a todos os brasileiros. As diferenças de status social em nosso país explicam a existência do verdadeiro abismo linguístico entre os falantes das variedades não padrão do português brasileiro e os falantes da suposta variedade culta, que é a língua ensinada na escola.


A Língua Portuguesa deve ser vista como ela realmente é, uma língua de alto grau de diversidade causada pela grandeza de nosso Brasil, fazendo com que ela se modifique em cada região, o fato de a língua predominante ser a portuguesa, não quer dizer que ela tenha uma unidade, pois a IDADE, a FORMAÇÃO escolar-acadêmica, a SITUAÇÃO SÓCIOECONÔMICA e outros fatores resultarão na fala de um indivíduo que é consequência desse emaranhado de indicadores.



Mito nº2

“Brasileiro não sabe português/ Só em Portugal se fala bem português”

Para o autor, a afirmação acima demonstra noção de inferioridade, sentimentos de dependência de um país mais antigo e “civilizado”.

O brasileiro sabe português sim. O que acontece é que o português brasileiro é diferente do português falado em Portugal. A língua falada no Brasil, do ponto de vista linguístico, já tem regras de funcionamento que cada vez mais se diferenciam da gramática e da língua falada em Portugal. Na língua falada, as diferenças entre o português de Portugal e o português falado no Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem dificuldades de compreensão. O único nível que ainda é possível uma compreensão quase total entre brasileiros e portugueses é o da língua escrita formal, pois a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças.

Conclui-se que nenhum dos dois é mais certo ou mais errado, mais bonito ou mais feio, são apenas diferentes um do outro e atendem às necessidades linguísticas das comunidades que os usam, necessidades linguísticas que também são diferentes.

Mito nº 3

“Português é muito difícil”

Bagno disserta neste capítulo que essa afirmação preconceituosa é prima-irmã da ideia que ele derrubou, a de que o “brasileiro não sabe português”.

Todo falante nativo de uma língua, sabe essa língua, pois saber a língua, no sentido científico significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela. A regência verbal é caso típico de como o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português. Por mais que o aluno escreva o verbo assistir de forma transitiva indireta, na hora de se expressar passará para a forma transitiva direta “ainda não assisti o filme do Zorro”. Este mito gera um preconceito, porque o português falado é diferente do português escrito de forma culta. O falado está relacionando ao nível social, À região e ao nível intelectual. E o escrito é baseado na gramática normativa.



Mito nº 4

“As pessoas sem instrução falam tudo errado”.

Esse mito além de trazer um preconceito linguístico, vem acompanhado de um social, de que as pessoas de menor aquisição não sabem falar o português, não importa o quão letrado ele é, mas o fato de ser pobre vai fazer com que as pessoas olhem como se ele de nada soubesse. E tem mais, pode-se observar outro preconceito, o regional, e este, está sempre sendo alimentado pela mídia que desmoraliza certa região, como acontece com os interiores do Nordeste.

Qualquer manifestação linguística que escape do triângulo escola-gramática-dicionário é considerado “errado”, levando em conta o preconceito linguístico.

Bagno explicou o fenômeno da palatalização-som da pronúncia da região para região no Brasil e que muitas vezes é alvo de escárnios por pessoas que se julgam pertencer a um lugar superior. Para o autor, o que está em jogo não é a língua, mas a pessoa que fala essa língua e a região geográfica onde essa pessoa vive. Esse preconceito linguístico é embasado na crença de que existe uma única língua portuguesa digna.

Um exemplo. Na visão preconceituosa dos fenômenos da língua, a transformação de I em R nos encontros consonantais como em Cráudia, chicrete, praca, broco, pranta é tremendamente estigmatizada e às vezes é considerada até como um sinal do “atraso mental” das pessoas que falam assim. Ora, estudando cientificamente a questão, é fácil descobrir que não estamos diante
de um traço de “atraso mental” dos falantes “ignorantes” do português, mas simplesmente de um fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria língua portuguesa padrão.

PORTUGUÊS PADRÃO ETIMOLOGIA ORIGEM

branco > blank germânico
brando > blandu latim
cravo > clavu latim
dobro > duplu latim
escravo > sclavu latim
fraco > flaccu latim
frouxo > fluxu latim
grude > gluten latim
obrigar > obligare latim
praga > plaga latim
prata > plata provençal
prega > plica latim


Como é fácil notar, todas as palavras do português padrão listadas acima tinham, na sua origem, um I bem nítido que se transformou em R. E AGORA ? Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum “defeito” ou “atraso mental”, seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema
na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é
considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema Os Lusíadas. E isso, é “craro”, seria no mínimo absurdo.


Para mostrar que a fala nordestina nada tem de “engraçada” ou “ridícula”, vamos fazer uma pequena comparação. Na pronúncia normal do Sudeste, a consoante que escrevemos T é pronunciada [tš]
(como em tcheco) toda vez que é seguida de um [i]. Esse fenômeno fonético se chama palatalização. Por causa dele, nós, sudestinos, pronunciamos [tšitšia] a palavra escrita TITIA. E todo mundo acha
isso perfeitamente normal, ninguém tem vontade de rir quando um carioca, mineiro ou capixaba fala assim.


Quando, porém, um falante do Sudeste ouve um falante da zona rural nordestina pronunciar a palavra escrita OITO como [oytšu], ele acha isso “muito engraçado”, “ridículo” ou “errado”. Ora,
do ponto de vista meramente lingüístico, o fenômeno é o mesmo — palatalização —, só que o elemento provocador dessa palatalização, o [y], está antes do [t] e não depois dele.


Então, se o fenômeno é o mesmo, por que na boca de um ele é “normal” e na boca de outro ele é “engraçado”, [pg. 44] “feio” ou “errado”? Porque o que está em jogo aqui não é a língua, mas a
pessoa que fala essa língua e a região geográfica onde essa pessoa vive. Se o Nordeste é “atrasado”, “pobre”, “subdesenvolvido” ou (na melhor das hipóteses) “pitoresco”, então, “naturalmente”, as pessoas que lá nasceram e a língua que elas falam também devem ser consideradas assim...



Mito  5

É sabido que no Maranhão ainda se usa com grande regularidade o pronome tu, seguido das formas verbais clássicas, com a terminação em -s característica da segunda pessoa: tu vais, tu queres, tu dizes, tu comias, tu cantavas etc. Na maior parte do Brasil, como sabemos, devido à reorganização do sistema pronominal de que já falei, o pronome tu foi substituído por você.

Aliás, nas palavras da boneca Emília, “o tu já está velho coroco” e o que ele deve fazer, na opinião dela, “é ir arrumando a trouxa e pondo-se ao fresco”, e mudar-se de vez para o “bairro das palavras
arcaicas”. De fato, o pronome tu está em vias de extinção na fala do brasileiro, e quando ainda é usado, como por exemplo em alguns falares característicos de certas camadas sociais do Rio de Janeiro, o verbo assume a forma da terceira pessoa: tu vai, tu fica, tu quer, tu deixa disso etc., que caracteriza também a fala informal de algumas outras regiões.

Ora, somente por esse arcaísmo, por essa conservação de um único aspecto da linguagem clássica literária, que coincide com a língua falada em Portugal ainda hoje, é que se perpetua o mito de
que o Maranhão é o lugar “onde melhor se fala o português” no Brasil.



Mito  6

“O certo é falar assim porque se escreve assim.”

O autor explica o fenômeno da variação, onde nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico. A supervalorização da língua escrita, combinada com o desprezo da língua falada, é preconceito.

Esse mito tem como maior colaborador o sistema de ensino, pois é através dele que o aluno é obrigado a ler como se escreve, não levando em consideração o ambiente do falante. É lógico que a ortografia segue regras, devendo ser cumpridas, mas a fala não deve imitar a escrita, pois como podemos perceber em nosso dia-a-dia, o ser humano aprende primeiro a falar e depois a escrever, sendo assim é uma hipocrisia afirmar que a língua deve ser como a escrita.

Mito nº 7

“É preciso saber gramática para falar e escrever bem"

A afirmação acima vive na ponta da língua da grande maioria dos professores de português e está formulada em muitos compêndios gramaticais. “A Gramática é instrumento fundamental para o domínio padrão culto da língua”.

Este mito aborda uma das mais delicadas questões do ensino da língua que é a existência das gramáticas, que teriam como finalidade primeira a descrição do funcionamento da língua, mas que fatalmente se tornaram, no decorrer do tempo, instrumentos ideológicos de poder e controle social. A norma culta existe independente da gramática. Porém a manifestação desse mito concretiza uma situação histórica: a confusão existente entre língua e gramática normativa. Isso denuncia, segundo Marcos Bagno, a presença de mecanismo ideológicos agindo através da imposição de normas gramaticais conservadoras no ensino da língua.

Mito nº8

“O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”.

Esse mito como o primeiro é apresentado porque ambos tocam em sérias questões sociais. O autor fez uma crítica irônica dizendo que se este mito fosse verdadeiro, os professores ocupariam o topo da pirâmide social, econômico e política do país.

De acordo com ele é preciso garantir a todos brasileiros o reconhecimento da variação linguística, porque o mero domínio da norma culta não é uma formação mágica que vai resolver todos os problemas de uma pessoa carente, de um dia para outro.

Bagno mencionou que falar da língua é falar de política e que se não for analisado desta forma, estaremos contribuindo para a manutenção do círculo vicioso do preconceito linguístico e do “irmão-gêmeo” dele o “círculo vicioso da injustiça social”.

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