sábado, 2 de janeiro de 2016

Entrevista Exclusiva com Dr. Pedro Henrique Reynaldo Alves - Parte 1

Dr. Pedro Henrique: Uma gestão bem sucedida / Foto de Bosco Lacerda 

Recifense de 45 anos, Pedro Henrique morou em São Paulo na infância, tendo estudado no Mackenzie. De volta à terra natal, ingressou no Colégio São Luís, onde esteve entre 1978 e 1987, até ser admitido como aluno pela Faculdade de Direito do Recife. Já no segundo período do curso superior, Reynaldo Alves tornou-se estagiário da Caixa Econômica Federal e por lá ficou durante um ano. 

Ainda estudante, Pedro Henrique aprendeu a base do Direito Tributário trabalhando na Audiplan, do cearense Manoel de Freitas. Também passou pelo jurídico do Bompreço e retornou à área de tributos pela Fluxo, empresa em que teve como chefe a advogada Ana Maria de Freitas, hoje juíza do Trabalho. Naquele momento, Ana Maria decidiu abrir o seu próprio escritório e convidou Reynaldo Alves para acompanhá-la. O jovem aceitou. 

Em 1993, após ser aprovado no Exame de Ordem, tornou-se sócio de Ana Maria, mas por pouco tempo. No ano seguinte, Pedro Henrique encontrou Erik Limongi Sial numa parceria que foi o embrião da sociedade que soma 18 anos. Simultaneamente ao encontro, o jovem advogado galgou a condição de procurador estadual, em 1994.

Nesta entrevista cedida na conclusão de seu mandato como Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Pernambuco, Dr. Pedro Henrique demonstra sua propalada e conhecida coragem, espírito crítico e profundo engajamento nas mais importantes questões de interesse da classe.

Dr. Pedro Henrique nos recebeu em seu escritório nas Graças, numa corrida tarde de segunda-feira e a conversa foi tão boa, suave e proveitosa que se estendeu demais, passando de 3 horas de animado e interessantíssimo aprendizado.


O iD esteve representado pelos graduandos de Direito Roberto Calheiros e Igor Nascimento.


1.

iD: Tradicionalmente a OAB se engaja em causas importantes para a Sociedade. Como o senhor define o papel da Ordem ?

Dr. Pedro Henrique: A OAB é o advogado da advocacia e atua como protetor das prerrogativas para que o advogado tenha a liberdade necessária para proteger o cidadão. A Constituição Federal defende as prerrogativas, pois elas permitem que a sociedade tenha igualdade perante o Estado, tendo condições para lutar pelos seus direitos com intermédio de seu advogado.

Para coibir as violações de prerrogativas frequentes, como Direito de acesso aos autos, a Seccional da OAB de Pernambuco atua muito com os desagravos públicos no local da ofensa ao advogado, principalmente em fóruns e delegacias. Eles servem como manifesto de repúdio ao comportamento das autoridades públicas.

Os êxitos de uma gestão da OAB não devem ser medidos apenas pelas conquistas, mas também pelos não retrocessos. Por isso, este triênio não ficará marcado apenas pela instituição das férias dos advogados, fim do aviltamento dos honorários de sucumbência (algumas das conquistas veiculadas no novo Código de Processo Civil), inclusão da advocacia no Regime Simplificado de Tributação (Simples) e pela exigência legal da participação dos advogados nos inquéritos policiais. Também é marca deste triênio, o arquivamento de projetos de leis que pretendiam tributar a advocacia em 5% do faturamento a título de ISS, extinguir o Exame de Ordem, dentre outros retrocessos evitados por uma ação política firme e eficiente, que teve a participação decisiva de representantes da nossa OAB-PE.

Estamos encerrando a gestão com a alegria de poder entregar à classe dos advogados e à sociedade pernambucana, a Casa da Cidadania, nova sede da OAB-PE, inaugurada no dia 18 de dezembro de 2015. Um prédio histórico com oito pavimentos, completamente restaurado e modernizado que está à altura da dignidade de nossa classe.

2.

iD: A OAB é conhecida por ir além da defesa dos interesses dos advogados e fazer uma defesa da democracia e da cidadania como um todo. Qual o posicionamento da OAB-PE e do Cidadão Pedro Henrique nesse momento de grande turbulência que vive o Brasil ?

Dr. Pedro Henrique: No campo do aprimoramento de nossas instituições democráticas esta gestão certamente ficará marcada pela promoção do fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, através de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) junto ao STF, o que, aliado a outras medidas que coíbam o Caixa 2 e reduzam os custos das campanhas, trará um grande avanço na prevenção da corrupção e na melhoria da representação popular.

Em âmbito de Brasil, Estamos colocados diante dessa situação no mínimo intrigante de um presidente da Câmara ficha suja, corrupto, ser o responsável em instaurar o procedimento de impedimento da presidente da República. Logo, ele se ressente de legitimidade para cuidar desse tipo de missão tão importante conferida pela Constituição federal. Acho uma aberração esse cidadão ainda estar na presidência da Câmara dos Deputados. 

Sobre o PT: Talvez sem se aperceber, boa parte dos que ainda defendem o Governo do PT, está aderindo ao velho e carcomido discurso dos antigos eleitores de Paulo Maluf. Claro que com maior esforço retórico e muito eufemismo. 
Para mim, pobre mortal, que não sou "intelectual" de esquerda, corrupto é corrupto e deve ser punido na forma da lei, não importando seu partido ou ideologia. Não importando se fez estradas e viadutos ou programas sociais. Não importando se roubam para abrir contas pessoais no exterior ou para financiar suas eleições à procura de se perpetuar no poder. Simples assim.

3.

iD: A OAB, na época da ditadura militar, esteve na linha de frente da resistência ao regime, tendo inclusive sofrido o atentado em sua sede do Rio de Janeiro. O que diferencia e o que aproxima a OAB daquela época do perfil atual da entidade ?

Dr. Pedro Henrique: Muita gente não sabe, mas num primeiro momento a OAB não se posicionou contra o golpe de 64 e esse é um fato que a bem de buscar a verdade histórica não deve ser escondido. Só com a publicação dos Atos Institucionais, em especial o ditatorial e anti-democrático AI-5 que dissolveu o Congresso Nacional, a OAB percebeu que tinha ajudado a criar um monstro. Daí em diante mudou radicalmente de posição e realmente se engajou na luta contra a ditadura com muita garra e coragem. 

Hoje em dia o papel da OAB não sofre tantas pressões como na época ditatorial, mas ainda assim tem muitas batalhas por vencer. Veja-se o exemplo da Lei da Ficha Limpa, Fim das Doações Empresariais nas Campanhas... É outra época, com outros desafios, mas sim, com mais liberdade e garantias legais.

 "Muita gente não sabe, mas num primeiro momento a OAB
não se posicionou contra o golpe de 64"

4.

iD:  Um grande tema levado a cabo nas faculdades e fortemente debatido é a questão da “Judicialização da Política” ou também da “Politização do Judiciário”, O senhor acredita que há realmente uma judicialização das grandes questões políticas e institucionais do país?

Dr. Pedro Henrique: Na verdade trata-se de um fenômeno mundial e esta judicialização de fato está ocorrendo no Brasil e é consequência do grave momento político que estamos vivenciando. Trata-se de um tema muito polêmico e é claro que há excessos, mas no próprio exercício do Direito, cotidianamente, existem excessos, agora como estes estão atingindo uma classe que não estava acostumada a ser atingida, a chiadeira tem sido grande. 

Independente disso, existem sim consequências positivas dessa judicialização, muitas na verdade, apesar dos atropelos.

5.

iD:  Em termos  de  preenchimento de lacunas pelo Judiciário, tivemos recentemente a inédita prisão de um Senador da República em pleno exercício do mandato, decisão essa emitida e analisada pelo Supremo com grande repercussão no meio político, tendo em vista esse episódio, o senhor acha que a instância máxima do Judiciário brasileiro realmente está extrapolando seus limites ?

Dr. Pedro Henrique: Olha, houve sim, de fato, um atropelo da Constituição, provavelmente como forma de preservar a própria Instituição Supremo Tribunal Federal, citada nas gravações né, que levaram o Delcídio à prisão e olha que muito dos conteúdos desses áudios não vieram à público, acredito que poderiam conter inclusive acusações bem mais graves. 

Mas, por sorte, a decisão foi mantida pelo Senado, o que evitou um agravamento da Crise Institucional que se instalaria entre os dois poderes.

6.

iD:  Presidente, o Brasil vive hoje uma crise de Representação ? Qual é sua opinião sobre mecanismos de participação popular como o plebiscito e o referendo?

Dr. Pedro Henrique: Olha  Roberto, primeiro, eu concordo com você, o Brasil vive sim uma terrível crise de representatividade o que tem como reflexo os elevados casos de corrupção que se tem noticiado, é possível sim utilizar o advento do plebiscito e do referendo popular, mas no meu ponto de vista isso deve ser feito com muita cautela, pois existem muitos que são bastante delicados e podemos incorrer em radicalizações desnecessárias. Cito por exemplo a Maioridade Penal, Condenação de Políticos envolvidos em Corrupção, etc 

Em muitos desses casos o povo poderia, influenciado pela agenda da mídia, que  produz muitas notícias sem um debate mais aprofundado, radicalizar as decisões. No entanto em casos pontuais como o referendo sobre o porte de armas foi algo positivo.

7.

iD:  Em relação ao combate à corrupção, A OAB tradicionalmente tem participado de iniciativas ligadas a avanços importantes nesta área, na sua opinião, o Brasil avançou na criação de mecanismos? O que falta ?

Dr. Pedro Henrique: Olha Igor, por sinal, amanhã estamos justamente indo pra um ato, no dia de combate á corrupção, mas acho que a gente não pode dizer que não houve avanço, houve sim, os crimes de colarinho branco, tanto na parte da legislação como na parte da dosagem das penas, a ficha limpa, sem dúvida foi um avanço, mas ainda tem muito  por fazer. 

A delação premiada foi um avanço, sem dúvida, ela é praticada desde a década de 70 nos Estados Unidos e em outros países, você só consegue enfrentar organizações criminosas, o crime organizado, com esse tipo de instituto, porque você tá tratando de crimes enraizados e praticados por estruturas que envolvem muita gente, onde há uma escala hierárquica, onde há muito dinheiro envolvido e há pessoas que recebem sua parte justamente para outras não aparecerem, são os intermediários, então sem você, sem esse instituto, sem garantias também de vida, programas de proteção à testemunha, etc a gente não tem como ! 

"A delação não pode ser banalizada, tem que haver cuidados, não pode haver ameaça ou constrangimento com prisão pra isso..."


Simplesmente ficariam insolúveis esses crimes, não tem como, como um gerente de uma empreiteira que vai pegar a mesma pena do dono da Empreiteira, qual o estímulo que ele vai ter a denunciar o patrão, se ele não denunciar o patrão vai zelar lá pela família dele, etc Por que ele vai denunciar se não tiver um estímulo na sua pena ?

Agora, a delação não pode ser banalizada, tem que haver cuidados, não pode haver ameaça ou constrangimento com prisão pra isso, então, isso é outro aspecto que nós temos que zelar, ter cuidado.

O momento é excepcional, como todas as situações excepcionais temos que relativizar excessos, zelar pra que eles não virem regra. 

8.

iD:  Frequentemente Pernambuco tem sido noticiado de forma extremamente negativa pela imprensa Nacional no tocante à situação das unidades carcerárias do Estado. Vários criminalistas enfrentam problemas sérios ao exercício da profissão nos presídios pernambucanos, mas conforme nos relataram colegas advogados, na sua gestão houve melhoras efetivas nesta área,  Como o senhor acha que pode ser resolvido o problema da superlotação dos presídios ? O que o senhor gostaria de destacar como positivo em seu mandato neste aspecto ?

Dr. Pedro Henrique: A OAB-PE foi a primeira OAB do País antes da OAB Nacional mesmo a abraçar esta causa, a gente criou uma comissão, na verdade foi uma sub-comissão de ressocialização e Política Penitenciária e fizemos uma vistoria em oito unidades penitenciárias de nosso Estado, eu estive presente na metade dessas vistorias.

A Comissão de Direitos Humanos presidida pelo Professor João Olimpio e a sub-comissão de Política Carcerária de ressocialização presidida por Adeildo Nunes conduziu e agilizou todas estas vistorias e elaboramos um relatório, levamos esse relatório ao Governo do Estado, apresentamos às autoridades, ao Ministério Público e deliberamos pelo ajuizamento de uma Ação Civil Pública que está em tramitação na Justiça Federal de Pernambuco. Recentemente recebemos uma menção de elogio de um Organismo Internacional muito respeitado, ligado à ONU na área de Direitos Humanos por essa iniciativa. 

Da nossa parte, a gente pra dar um maior conforto ao advogado que atua nessas unidades, firmamos um convênio com a Secretaria de Ressocialização e reformamos oito parlatórios, colocando equipamento de som, restruturando, criando um ambiente mais digno pra o advogado poder exercer a sua profissão. 

Mas eu acho que essa causa, ela é uma causa muito inglória, Pernambuco não destoa da maior parte do País, o Complexo do Curado por exemplo não é diferente de um Urso Branco, Pedrinhas, no Paraná, no Maranhão ou do Pará, o Brasil tá com essa agenda muito negativa, não é só Pernambuco, tem que haver, na minha opinião, pra resumir, porque isso demandaria muito tempo, duas coisas essenciais, uma de natureza estrutural, realmente, estrutura... multiplicar por quatro a oferta de vagas no sistema, construção de novos presídios, lamentavelmente Itaquitinga, inexplicavelmente Itaquitinga, grande promessa de governos anteriores não saiu do papel, a obra ficou aí inacabada, apesar de muitos recursos gastos, mas era preciso construir várias outras unidades, menores, não há mais espaço pra os mega-presídios, isso é coisa do passado, tem que ser presídios menores, recentemente eu estive na inauguração de um em Santa Cruz do Capibaribe e na minha fala pra imprensa local eu disse "Fiscalizem !" , porque foi uma espécie de projeto piloto, modelo que se propõe a não ter super população, então eu conclamei a sociedade local, "fiscalizem !" , se houver de começar a entrar gente demais aqui, vocês tem que ser os primeiros a se opor, a botar a boca no trombone. 

Mas esse é um dos aspectos, a super-população é a causa dos principais dramas, causa da falta de higiene, falta da dignidade mesmo, do tratamento desumano que esse povo tá tendo sem condição de ressocialização.

O Outro é um aspecto cultural que lamentavelmente, as instituições tem que rever a forma de punição, boa parte desse povo não era pra tá ali não, era pra usar uma tornozeleira eletrônica, sendo monitorado e ganhando sua vida e se pisar fora do perímetro autorizado ir pra cadeia... Por que ali é o inferno... metade dali tá com prisão provisória vencida, não pode e mais, nós temos uma tara encarceratória por parte da polícia e do judiciário... Grande avanço por parte do Tribunal de Justiça de São Paulo, que o CNJ adotou como exemplo, como protótipo, como piloto e que Pernambuco instituiu, chama-se a "Audiência de Custódia" aonde o preso tem que em 24h ser apresentado pra um juiz, pra o juiz analisar se ele deve ser recolhido ou não. Tá funcionando bem inclusive, me parece que em mais de 67% dos casos os caras não estão indo pra cadeia, o Juiz tá podendo analisar caso a caso, etc...

Se não dermos oportunidade pra esse povo se ressocializar, vamos continuar perdendo gerações, esse país vai passar décadas com essa dívida social e com a violência comendo no centro, porque o que há é uma vingança social de uma classe contra outra e não uma ressocialização e essa vingança volta em forma de mais violência, porque esse povo volta pras ruas.

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