“Há
duas maneiras de combater: uma, segundo as leis; a outra, pela força. A
primeira forma é própria dos homens, a segunda, dos animais. Mas, como a
primeira frequentemente não basta, é preciso recorrer à segunda. Não há lei nem
Constituição que possa pôr um freio à corrupção universal.”
Nicolau
Maquiavel
A sociedade ocidental, após grandes avanços obtidos no
pensamento teórico político e nas concepções acerca da Constituição e estrutura
do Estado, passou sistematicamente de primitivas instituições feudais à
democracias contemporâneas com instituições razoavelmente consolidadas.
Esses avanços tiveram impulso num pensador controverso e
extremamente sagaz da Itália renascentista chamado Nicolau Maquiavel.
Extremamente influente no desenvolvimento do pensamento político que se seguiu,
Maquiavel fez ressurgir a discussão a respeito do poder e pela primeira vez
usou a palavra “Estado” como referência principal à unidades territoriais de
poder constituído. Em seguida, os contratualistas Hobbes, Locke, Rousseau e Montesquieau
assentaram as bases do Estado Moderno que culminou com as grandes transformações
políticas e sociais promovidas primeiro pela Revolução e Independência dos
Estados Unidos e em seguida pela Revolução Francesa.
A democracia e o Estado Liberal tornaram-se a esperança do
mundo e a quase totalidade dos estados ocidentais passaram a ser governados por
princípios e ideias em sua essência verdadeiramente justas, democráticas e
humanas. Nos últimos 150 anos, fortes turbulências, regimes imperialistas e
totalitários foram superados de forma pacífica ou não e chegamos à grande aldeia
global, democrática e liberal dos dias atuais.
Ora, todas as ideias que sustentam os pilares do Estado atual
são realmente perfeitas em seus objetivos, atribuições, ordenamento jurídico e
visam o bem social através da realização da vontade geral. Então, neste ponto,
é preciso reduzirmos o escopo, o alvo de nossa observação para o mais
específico, o mais próximo e familiar, ou seja, para o Brasil, nosso país,
então, esqueceremos o conjunto das sociedades ocidentais, vamos nos ater à
nossa inquietante e singular realidade.
Onde erramos ? Como as
coisas chegaram a este nível de não-estado ? Como podemos desconstruir as
ideias, os princípios, nossa própria constituição e chegarmos ao peculiar
estado cleptocrático, profundamente injusto e corrupto em que vivemos ?
O que acontece em nossa aldeia tupiniquim é um protótipo do
que provavelmente acontece em muitos países subdesenvolvidos, periféricos e
coadjuvantes no cenário global, sem, com certeza excluir os países
desenvolvidos, onde, também, a corrupção não desapareceu.
Temos todo o aparato tecnológico, técnico, doutrinário e
político que deve regular o Estado, de forma limpa, transparente e visando o
bem estar social e o progresso do povo, mas na prática isso não acontece. E por
que não ? Por que ao copiarmos a grande maioria de nossos dispositivos legais,
ao importarmos os formatos europeus e americanos de instituições, nunca
adotamos a postura crítica necessária a um País sério, em que o benefício
pessoal está vedado, impedido, controlado e onde o Estado não fecha os olhos às
brechas legais que alimentam esse flagelo, este monstro aparentemente
invencível de nossos dias, a corrupção.
Todos os pensadores sustentaram e criaram ideias brilhantes
de modelos de governo e de organização de estado, mas, infelizmente, tivemos
quase nada até agora em termos de sistemas e doutrinas que visem combater a
corrupção. Então, o monstro se instalou, dobrou o estado e, favorecendo os
grupos de poder ideológico e político dominante, criou um sistema perverso e
protegido pela força do Direito.
Grandes protestos tem resultado em repressão, violência ou
puro dar de ombros por parte desta “elite” dominante. Os intelectuais, isolados
com seus livros e alunos nas faculdades, são vozes apenas, sem nenhum poder de
mudança que represente ameaça.
Perdidos, nos limitamos à pura negação ou a reclamações,
desespero, impotentes.
Mas, eis que, na última década, através do judiciário e do
trabalho diligente e sério do Ministério Público e da Polícia Federal,
assistimos não à grandes revoluções, não a uma efetiva mudança causada pelos
anseios das coletividades, mas a uma verdadeira sucessão espantosa de prisões,
julgamentos e condenações de políticos, empresários e banqueiros graúdos
através de um punhado de indivíduos togados, ou até mesmo de um único
magistrado, como no caso do Juiz Federal Sérgio Moro, de Curitiba.
Temos a individualização política, jurídica e rara como
fenômeno inédito e sem dúvida alguma, revolucionário. Se, teorizadas e
sistematizadas as ações recentes de corajosas figuras, como Joaquim Barbosa,
Sérgio Moro e Rodrigo Janot, para citarmos os mais conhecidos no meio jurídico
e até entre a população, veremos, como estamos vendo, resultados espantosos de
combate à corrupção sem o derramamento de uma única gota de sangue, sem o
disparar de um único tiro.
Roberto Calheiros é Estudante de Direito |
Estamos falando de mudanças significativas de dentro para fora, de poder sem voto, mas legítimo. Estamos falando de estremecer um Estado que não está em guerra com outro Estado, não de milhares ou milhões, mas de indivíduos. Finalmente, estamos falando que, por paradoxal que possa parecer, indivíduos, dotados de autoridade de julgar, estão fazendo por meio de seus atos e decisões algo que em quinhentos anos de sociedade brasileira nem se quer se cogitou ! Ou não ? O desenvolvimento e teorização dos últimos fatos são de fundamental importância para, pela primeira vez, a corrupção ser confrontada neste país.
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